Uma vez me disseram que há pessoas que nasceram pra ser sozinhas e fui automaticamente obrigada a concordar. O que me levou a balançar a cabeça em aceitação de imediato foi o rápido panorama mental que me veio da minha vida.
Alguns chamam de vocação para a solidão; outros, de escolha. Eu chamo de carma. Somos seres sociais e, ainda que a ode ao individualismo cara aos nossos tempos o faça bater no peito se orgulhando de dizer por aí que se basta e toda essa baboseira de amor-próprio – que de amor-próprio não tem nada -, olhe à sua volta: em inúmeros sentidos, nós precisamos do outro.
Mas precisar do outro, em termos simbólicos, não é necessariamente de qualquer outro, e aí vem o limbo que permite falaciosas autoafirmações, filosofias de pós-graduações e textões formadores de opinião do Facebook.
Não é opção preferir ser sozinho se a vida não te faz cruzar com que te compreende. Não é opção preferir ser sozinho quando todo mundo já te traiu. Não é opção preferir ser sozinho quando somente assim você encontra segurança e paz. É carma.
Há outras situações de “solidão no meio da multidão”, é claro. Enumerei três aqui que me parecem mais “populares” e que mais têm se destacado pra mim nos últimos meses. Não só comigo, mas com diversas pessoas e situações que tenho vivido e observado.
Particularmente, o que me incomoda mais em tudo é a primeira, porque identificação te mostra que há um pouco de você no outro e vice-versa, te dá um lugar no mundo, então vou me deter a ela.
Se você, que me lê, acha forte essa parte sobre a vida não te fazer cruzar com quem te compreenda e até duvida um pouco da pretensão egocêntrica dela, você tem plena razão. Pouso minha caneta e, mais uma vez, balanço a cabeça em aceitação.
Eventualmente, nesse mar de acasos e porradas simbólicas, a vida faz esse raro agrado. Eu não falo de pessoas iguais a você, porque isso pouco importa, mas que te compreendam a um nível mental. Eu também não falo de namorados ou relações do gênero. Uma pessoa com quem você se conecte, que te tire essa sensação contínua de solidão, está totalmente além do tipo de relacionamento específico.
Pode ser um parente distante com quem você descobriu uma ligação que te surpreendeu, uma namorada do passado, um amigo que você fez há três dias, um chefe que te mostrou um lado que te gerou identificação. Essas relações são sempre sutis, não necessariamente consolidadas ou aprofundadas, embora possam ser.
Quantas pessoas, dessas, de relações consolidadas, ainda assim continuam te fazendo experimentar o carma da solidão? Pra mim, inúmeras, absolutamente todos os dias.
Mas o carma da solidão não se resume apenas a só se deparar com essas tréguas da identificação alheia para respirar a cada século. Faz parte do carma, óbvio, essas raras pessoas irem embora. Ou você, tanto faz. Faz parte do carma a sensação constante de areia que escapa entre os dedos. Faz parte do carma viver como se corresse em uma esteira. Você pode gostar da corrida, ela pode liberar endorfinas, porém você sabe que você nunca vai chegar.
Pela minha parca experiência, não adianta tentar evitar essa solidão, a pior delas. Essa mesmo, de quando você experimentou não estar só, mas, por contingências da vida, acabou ficando assim de novo. Não adianta evitar, correr atrás, recuperar. Se for o caso de a pessoa ser uma namorada, não adianta mesmo manter o relacionamento só por isso, exemplo prático. Faz parte do carma ir embora, estar sozinho de novo, e tudo o que você tem que fazer é aprender.
Aprender, primeiro e principal, a libertar o outro. Segundo, aprender a se reerguer e deixar pra trás. O resto são dias úteis, exercícios três vezes na semana e saídas superficiais, a crueldade do cotidiano que te força a seguir em frente e conhecer outras coisas, te estapeando na cara que se a própria vida é passagem, você também precisa aprender a passar e a deixar os outros passarem. Você precisa aprender a conviver com perdas, rompimentos, esquecimentos, em amplos sentidos.
Estou acostumada a me julgarem como desgarrada, uma pessoa dessas afeitas à solidão, com todos os adjetivos correspondentes vindo em anexo. Vesti bem o rótulo e concordo pra simplificar. Até porque não tenho a menor intenção de mudar o que pensam de mim. De um modo geral, isso não importa. Sou adepta fanática-militante do “antes só do que mal acompanhado”, mas ser desgarrado é o oposto de mim. Nunca foi bem assim. Eu fui forçada a lidar com isso, apenas. Eu tive que aprender a achar bom, ver o lado bom e conviver com isso como se louvasse e fosse bom, porque dizem que assim para de doer, quando a gente se força a fingir que gosta e está tudo bem.
Em quase 30 anos de vida, confesso, nunca achei bom e acho bem difícil que um dia eu vá conseguir achar. Mas a vida segue. E vou continuar frequentando festas de pessoas supostamente felizes, postando fotos e textos de pessoas supostamente felizes, agindo e tendo conversas de pessoas supostamente felizes, porque é assim que tem que ser. Vivendo contextos de pessoas supostamente satisfeitas e plenas com o tal rumo da vida. Dizem que isso é ser seguro, bem resolvido e adulto, e o certo é arcar com as contas e fazer sexo casual no final de semana.
Mas a verdade é que esses vazios doem todos os dias. A gente aprende, a gente olha pra cima, empina o nariz e dá conta de tudo, mas nada dá paz no final do dia quando você põe a cabeça no travesseiro. Menos ainda pra mim, que não uso travesseiro, então nem tenho o clássico lugar do repouso da consciência. Até isso me foi tirado.
Solidão não é escolha, tenha certeza. Por mais que se aprenda e em certo sentido até se goste. Por mais que em muitas situações solidão seja opção, ainda é uma opção que todo o contexto e tudo o que você é inevitavelmente te levaram a escolher. Não temos saída. Solidão é carma.