Fá dobrado bemol

A perspicácia ferina, de preferência usada para endossar algum sarcasmo. As referências, também, e a pronúncia gestual do italiano com as aulas grátis de etimologia. 

E não por sabê-la, porque isso é irrelevante, mas por seu gosto por sabê-la; eis o encanto. Sempre fui disso, de gostar dos gostos alheios, e de alheio você tem tanto, irrevelável, o que só concorre para uma superfície ainda mais interessante.

De bandeja, a tua entrega sempre vazia da tua real substância, aquela mesma que se arreganha na tua arte, talvez por tua necessidade de sangrar por vias tortuosas o que tanto sufoca nas tuas paredes.

E depois vem a concentração. Não digo o talento, porque isso é vulgar e superficial demais. Mas como você fica tão imerso na tua arte a ponto de vocês dois tornarem-se um só, indiscerníveis.

Não importam teus esquecimentos ou pouca familiaridade com a cadência ternária, tua comunhão com o que o constitui é que é a verdadeira arte.

A contraparte séria reservada a poucos – a alguém, será? – frente ao prosaico caricato e aos cílios postiços e aos espartilhos, que lhe caem tão bem. A fachada dada de uma profundidade efervescente e caótica, mas calada e penosamente contida nos teus módicos 1,64m.

Teu enarmônico, mesmo ele, é também acidente. Isso fala muito de você.

Da infância com ouvido absoluto e harmônicos que lhe eram naturais às noites viradas com um Tchaikovski inconveniente para os vizinhos, essa parte suponho. Como você supõe meu excesso de carboidrato matinal.

Meu inequívoco embaraço, a explicação para trocar nomes e cometer gafes reiteradas… estar ao seu lado.

Sim, é uma lista de motivos, muito mais romantizados do que deveria para eu me manter atrás da linha de segurança, te digo nos meus pensamentos. E eles mesmos me cutucam me mostrando que, nessa suspensão do tempo para teu passado, presente, futuro desfilarem na minha mente, te encaro.

“Se arrependeu de me renegar?”, é só o que falo. Isso é um flerte, e você sabe, porque também lê e engendra flerte nos desvios mais duvidosos.

Você pergunta debochado se pode se redimir. É um flerte, também, mas porque isso faz parte do seu ser no mundo. A intenção de consumar os fatos é unidirecional.

Pode, claro que pode se redimir. Mas do jeito que, de fato, preciso, não.

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

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