Acreditava muito na positividade. Fazia rituais constantes nesse sentido: acordava todos os dias antes das sete, comia linhaça, afastava pessoas negativas. Se tornava assim, assim, uma pessoa sempre em busca de algo grandioso, como se suas ações fossem rituais eivados de uma tensão de quem faz evocações. Tudo podia levar ou à derrocada ou a conseguir o que queria. A cada momento, a cada minuto o relógio era o juiz da balança e o destino decorria de suas ações. Ela, que era advogada e estava acostumada a seguir uma linha lógica e fria na sua argumentação – salvo quando emocionar era uma arma retórica – salpicava um pouco de emoção espontânea na vida com esse papo de ser positiva. Era o que achava.
De uns tempos pra cá vivia, no entanto, um tanto quanto triste e, pior, sem saber o motivo. Todo seu pensamento positivo salpicado de um misticismo frágil, tosco, desses que os coachs destilam com seu papo sobre o universo ou os entendidos dessa pseudociência da astrologia gostam de trazer toda, todas as justificativas absurdamente ridículas para se ser de um jeito, tudo isso, para ela, começava a falhar. O que as cartas diziam a ela pareciam apenas a mesma retórica que ela empregava, notava o quão perdidas as “guias” desse meio eram, o quão fracassadas eram suas vidas amorosas, o quanto a autoridade com a qual falavam de seu signo – libra, mas a autoridade era sobre qualquer signo – parecia mais um mecanismo de defesa contra a própria falta de conhecimento do mundo do que uma verdade sobre si. O que ela sabia de fato era: estava triste e não sabia bem o motivo.
Talvez fosse porque sua vida tomava uns rumos imprevisíveis – sua vida amorosa, sobretudo – talvez fosse porque o misticismo já estava dando no seu saco. Ou talvez fosse porque estar ali, disposta a aceitar o que o universo a desse, não parecia bem algo coerente. Se ela tinha que aceitar tudo que “recebesse” com “gratidão”, por que tinha que se esforçar tanto se apenas seria a paciente de um processo terapêutico de uma alma que nem se lembra de onde está? Por que não podia não só ter o que queria como querer o que queria? O que no amor estava tão emperrado que nada vinha?
Enquanto se questionava, um dos rapazes que conhecia e que com ela constantemente flertava, apesar de não dar bola, passou perto de sua mesa de trabalho falando um pouco sozinho, como que resmungando. Nem a notou. Ela, porém, percebeu que ele ia para a cozinha. Chegando lá, se aproximou do rapaz e viu que ele reclamava da sua sorte com uma liberdade que só aqueles que maldizem o destino o fazem. Puxou de repente, de modo que ele ficava entre ela e a geladeira e, se pressionando sobre ele o beijou apaixonadamente. “Que a positividade vá pro caralho” pensou, enquanto beijava seu amante ranzinza.