Será que se um dia eu te encontrasse
Esbarrasse em você em um desses acasos da vida
Te olhasse nos olhos, se estreitando do tanto que tentam conter
E deles, vendo a minha própria escuridão fazendo eco
O entrelaçamento das nossas dores – sentidas e supostas – no reconhecimento
Eu me esconderia em desespero?
E se um dia em um final de tarde
Desses que a brisa te abraça e te dá mais poesia do que o esperado pra uma terça-feira
Aquela ligação insistente fosse sua
E isso me enchesse de sorrisos
Eu arranjaria uma desculpa pra mim mesmo
Uma desculpa qualquer
Falta de tempo, energia, vontade
E deliberadamente fingiria não ver?
E se então fosse você a materialização esculpida em Carrara
Cuspida e escarrada
Dos meus anseios pueris mais profundos
Sinal após sinal
Ano após ano
Eu os negaria todos?
E será que se uma sombra, só uma sombra
Um cheiro, só um cheiro
Uma lembrança
Um lampejo de você, que não é você
Na distância-segurança dessa alteridade
A mim tentasse enredar
Eu cederia entregas, mãos e olhares
E me escusaria ainda ébrio
Vulto de dia seguinte
Nas falsas alucinações que as madrugadas admitem
E te escreveria
Mas não te mostraria, jamais
Mas será que a mim, só a mim, qualquer deus que aí esteja, eu permitiria?