Feeling blue

Eu lembro de todas às vezes que senti seu perfume depois que terminamos.

Na primeira delas, não tinha dado nem um mês daquele dia em que eu te disse que não dava mais, e você me virou as costas na porta do meu prédio. Alguém no ônibus, bem no meio da Rio-Niterói. Eu tava indo pra ABL.

Essa me pegou de surpresa.

Porque eu, evitava desde sempre, não tinha ainda vivido o luto do nosso término, estava naquele alívio de suspensão, típico de mim. Sentir você em um não você me atingiu com tudo, então fui forçada a mergulhar na minha dor.

E então no mercado, no exato momento que fui pegar um Chocooky na prateleira, esse mesmo que a gente comia nas tardes de “riqueza” na casa da sua avó.

Essa me sacudiu o alerta das urgências.

Porque fazia pouco tempo que tínhamos voltado a nos falar, com a “amizade” – falsa – de sempre. Tentativa sempre fracassada que nos fazia ver que era impossível sermos amigos. Então eu cedi. E, mais uma vez, nós voltamos logo depois.

E teve aquele dia, eu na casa de um amigo. Alguém me disse que o “Fulano gostou de você”, eu estava resistente, naquele limbo de saber que precisávamos terminar de novo e não conseguir, mas, ao mesmo tempo, buscar libertação. Então o Fulano sentou do meu lado, e o cheiro era exatamente o seu.

Essa eu li como um sinal.

Um sinal de que era melhor eu ceder, pelo menos provisoriamente. Não adiantava me enganar. Contive o acesso de riso histérico, pedi licença e fui pros fundos da casa – ligar pra você. Era uma trégua, de novo.

E eis que um dia na escola de dança, eu, no corredor, esperando a sala vagar pra dar a minha aula, tão perto de mim, seu cheiro. O mesmo perfume.

Essa foi avassaladora.

Porque era você. E era tão improvável, porque a dança era algo novo na sua vida e, mais uma vez, estávamos afastados, e eu ainda não sabia. Mas seguimos, nós dois, cada um pro seu lado. Era melhor assim. E, por mais que você, em mim, não tivesse se calado, eu já estava calejada o suficiente para simplesmente deixar pra lá.

Então teve outra, mais recente. Foi o maior tempo que ficamos sem nos falar e, dessa vez, pela primeira vez, eu já não falava de você. Eu já não pensava, eu já não fantasiava nossos arroubos de declarações de joelhos no meio da rua e cartazes na frente do meu apartamento.

Essa me pegou indefesa.

Foi num restaurante em Recife. Nem sozinha eu estava, então me veio seu cheiro. Essa foi foda. Porque essa foi a primeira vez que, de fato, eu achava que você tinha ido embora de mim. Mas sentir seu cheiro não foi simples reconhecimento, foi efeito. E ali eu constatei, a constatação da conformação, que talvez você tivesse se sedimentado em mim e talvez fosse algo com que eu simplesmente precisasse conviver.

Mas eis que teve mais uma, aliás. Essa manhã, fazendo exatos 21 anos desde o dia em que você veio na minha direção me perguntar: “O som tá atrapalhando?”. Aquela primeira, quando seu cheiro eram boas-vindas. Hoje, 21 anos depois dessa, senti seu cheiro. O mesmo cheiro.

Essa me encheu de plenitude.

Você saindo do banho, aqui em casa, na nossa casa.

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

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