Instante melódico no qual a sinergia entre dois se abre como realidade. É este movimento que se faz no entre, junção infinitamente refeita a cada segundo, espécie de forma-formante que se faz e se adapta a cada vez de novo e de novo que este microtexto busca apreender.
Faz-se necessário para isso um texto que tenha a poética do segundo do olhar, aquele segundo cristalizado no qual os olhos se fixam e se desviam, confessando a aceitação tácita no seu desviar às vezes ligeiro, às vezes calmo.
É para o chão olhando, como que para confirmar que as bases onde os pés se mantêm lá estão – e, claro, mesmo vendo sentindo que elas não lá estão -, que se sente a confirmação da queda certeira do instante seguinte, o que instante infinitamente diferente do subsequente, momento derradeiro do outro outrar-se ainda de novo.
É sempre à primeira vista: por milhões que já tenham havido, a visão apaixonada é sempre à primeira vista que se tem do outro que, qual paisagem pela qual o tempo passou, se reconfigura no brilho cálido de uma luz que tortuosamente encontra seu caminho. “Foi cegado pela paixão”, se diz.
As frágeis retinas humanas desacostumaram-se, com o tempo, à luminescência flutuante de uma luz que impede qualquer reflexão, vez que é só emissão.
É-se Lua neste momento, não porque reflete-se a luz do outro, mas porque ambos estão a refletir a luz de algo que está por trás de suas cabeças a iluminá-los.
Sente-se apenas o calor, sabe-se apenas do brilho que, radiante, se emite vez que emissor de uma claridade maior se torna. O outro se torna gesto e cada um é importante e adorado.
Se faz algo, lindo; se não o faz, também. As palavras, entes que emergem do poço infinito da linguagem, perdem-se na tentativa de capturar o outro evanescente.
Líquido que tomamos e expelimos constantemente, a linguagem redobra-se sobre si mesma na tentativa de situar aquilo que a convoca e exatamente por isso não pode ver nem nomear.
Figura fugidia, o outro se nos aparece como um carinho, ou um vício, algo de extraordinário que nos é dado como uma benção ou que nos é infligido como maldição. E é na carne que sentimos isto. Corpo que desobedece a corpo, desintegração completa daquilo que antes se chamava e se afirmava como “vontade”. Daquilo que era vontade, já nada mais resta.
A essa pobre serva cabe apenas recolher-se humildemente à sua completa inutilidade. Fuga de nossa realidade, poder infinito de destruição e reconstrução: paixão, esse sentimento deliciosamente destrutivo que nos move (diça).