Apaixonar-se

Instante melódico no qual a sinergia entre dois se abre como realidade. É este movimento que se faz no entre, junção infinitamente refeita a cada segundo, espécie de forma-formante que se faz e se adapta a cada vez de novo e de novo que este microtexto busca apreender.

Faz-se necessário para isso um texto que tenha a poética do segundo do olhar, aquele segundo cristalizado no qual os olhos se fixam e se desviam, confessando a aceitação tácita no seu desviar às vezes ligeiro, às vezes calmo.

É para o chão olhando, como que para confirmar que as bases onde os pés se mantêm lá estão – e, claro, mesmo vendo sentindo que elas não lá estão -, que se sente a confirmação da queda certeira do instante seguinte, o que instante infinitamente diferente do subsequente, momento derradeiro do outro outrar-se ainda de novo.

É sempre à primeira vista: por milhões que já tenham havido, a visão apaixonada é sempre à primeira vista que se tem do outro que, qual paisagem pela qual o tempo passou, se reconfigura no brilho cálido de uma luz que tortuosamente encontra seu caminho. “Foi cegado pela paixão”, se diz.

As frágeis retinas humanas desacostumaram-se, com o tempo, à luminescência flutuante de uma luz que impede qualquer reflexão, vez que é só emissão.

É-se Lua neste momento, não porque reflete-se a luz do outro, mas porque ambos estão a refletir a luz de algo que está por trás de suas cabeças a iluminá-los.

Sente-se apenas o calor, sabe-se apenas do brilho que, radiante, se emite vez que emissor de uma claridade maior se torna. O outro se torna gesto e cada um é importante e adorado.

Se faz algo, lindo; se não o faz, também. As palavras, entes que emergem do poço infinito da linguagem, perdem-se na tentativa de capturar o outro evanescente.

Líquido que tomamos e expelimos constantemente, a linguagem redobra-se sobre si mesma na tentativa de situar aquilo que a convoca e exatamente por isso não pode ver nem nomear. 

Figura fugidia, o outro se nos aparece como um carinho, ou um vício, algo de extraordinário que nos é dado como uma benção ou que nos é infligido como maldição. E é na carne que sentimos isto. Corpo que desobedece a corpo, desintegração completa daquilo que antes se chamava e se afirmava como “vontade”. Daquilo que era vontade, já nada mais resta.

A essa pobre serva cabe apenas recolher-se humildemente à sua completa inutilidade. Fuga de nossa realidade, poder infinito de destruição e reconstrução: paixão, esse sentimento deliciosamente destrutivo que nos move (diça).

Uriel Nascimento

Doutor em Filosofia Moderna pela PUC- Rio. Também graduado em Filosofia pela Unirio, mestre em Filosofia (Estética) pela PUC-Rio. Psicanalista, integrante do Núcleo de Autismo e Psicose da escola Letra Freudiana. Intérprete e Tradutor Ing<>Port. Dançarino bolsista da Escola Jaime Aroxa. Autor do livro Aquilo que não foi dito, pela Razzah Publishers.

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Seja um dia, seja uma noite, as coisas ficam claras. E elas simplesmente não importam mais. Eu não sei mais o que você está sentindo.
Se me perguntarem qual amiga que sou, vou responder que sou a amiga que fica. Aquela amiga que segue a vida, mas sempre encontra um tempo.