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03/12/2024

Contato

Pode sangrar

Eu já não pensava em você, na mesma proporção do tanto de tempo que não escrevo sequer uma linha. Foi aquele dia a última vez, show óbvio do clássico da nossa cultura pop e eu só me dar conta dias depois de que pela primeira vez nesses dez anos o “a verdade é que eu minto, que eu vivo sozinho, não sei te esquecer” não tinha me trazido você.

Não, eu realmente não pensei.

Não me veio o ímpeto ainda mais óbvio – e até então costumeiro, quase involuntário – de te mandar um áudio ridículo cantando ao fundo a plenos pulmões.

Havia outra pessoa, mas desde quando, em dez anos, isso tinha sido o mínimo impedimento pra qualquer coisa a respeito de nós dois? (“Nós nunca fomos um nós”, me vêm sua voz e as suas escolhas).

Eu só percebi a sua não vinda em mim quando veio o você concreto, dessa vez, o você que existe fora da minha então necessidade, falando por uma mensagem frívola – típico – que ouviu meu cantor preferido em qualquer situação completamente irrelevante.

Mas claro que tudo o que você poderia obter de mim era a minha não resposta, pra sempre, de vez. O meu total silêncio, de que você, imaturo e pueril como sempre, foi reclamar em textões por quaisquer blogs perdidos na rede. Tua cretinice de sempre, de não assumir o mínimo de responsabilidade e de fingir motivos pra justificar o contato, materializada nas duas vertentes que sempre se dão as mãos – elas sim são almas gêmeas. Nós? No máximo uma forçação de barra tão infantil quanto você continua sendo.

Contato.

Ele nunca pôde, ele mesmo, ser o motivo cabal em si, não é mesmo, Elizabeth?

Como analista justifico em neurose, mas como boa carioca – e isso sempre vai ser o que vai falar mais alto – só te acho um completo de um babaca, eternamente escorado na patologia por profissão autorizada.

Escusa última pra qualquer mínima coisa que insista em te justificar. Recalques – por escolha – do inconsciente, jamais inconscientes de fato.

A última vez foi uma merda, e você sabe.

Deveria ter sido suficiente pra fecharmos o caixão do adeus. Não por ali ele ter surgido ou algo que o valha, mas por tudo ter só nos estapeado sobre a nossa total impossibilidade.

Ela existia, por escolha, de novo, e nisso você sempre se escondeu pra dar o verniz de nós dois. Falsa aura de beleza poética, suposta projeção necessária, forjadas dores como desculpa pra desaguar em linhas.

Mas quando a impossibilidade supera a mínima fantasia, é a hora em que sabemos que a projeção perdeu, e só nos resta ir embora. Dar as costas, soltar a corda. Ela foi derrotada na própria arena. Arena arredia em que a concretude nunca é convidada.

Não existe nem dopamina nem behaviorismo que sustentem o nunca presente positivo por escolhas (sempre elas) reforçado. É o básico da psicologia, dos jogos, do capitalismo. De tudo o que, hoje, move quem somos, individual e coletivamente. E você sabe. Você sempre sabe.

Punhetação neurótica levada ao extremo pra calar a cisão do incômodo existencial? Bonito, né?! Você sempre quis acreditar nisso – se ver e se vender desse modo.

Mas no fundo você também sabe que você não passa de um otário que não deu pra simplesmente nada na vida, nem pra sentir, o mínimo do teu signo, escusa máxima usada por você. Apenas um aborto da existência, errante em drogas, bares e sexo vazio – pelos quais não é nem você que paga, nem literal nem simbolicamente -, e não tem poesia nisso aqui, não. Porque nunca vão existir ares boêmios capazes de te salvar da fatal realidade.

“Yeah, you bleed just to know you’re alive…” Pode sangrar sozinho.

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Carolina Palha

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.