Ontem eu estava conversando com uma amiga sobre esta espécie de interruptor que é o amor. O tipo de estalo que te faz pagar pra ver. Porque pro amor não tem meio-termo, não tem “eu acho”. Ou é ou não é.
O que você faz com isso, aí é gradação. Mas o amor é sempre um “eu sei”.
E esse talvez seja um nó ainda maior do que o sentido da vida. Essa centelha tão precisa que faz toda a diferença. Que produz felizes para até o dia seguinte ou corações partidos. Que produz renda para terapeutas e pais de santo. E toda a tonelada de arte do mundo.
Amor intriga.
Intriga porque, mesmo com toda a evolução do admirável mundo novo e com tudo o que se debruça sobre ele, ainda somos completamente leigos e vulneráveis.
Perguntei a essa amiga o que achava do mercado do amor, dos mil conselheiros que dão até cursos sobre “conquistar” alguém inconquistável, de dicas astrológicas a manuais ultra científicos; ou das “forças ocultas” dos super milagreiros que trazem seu amor de volta em três dias. “Se pá”, até a pé/a nado de outro país.
Ela me falou algo muito simples, que como a vida imita a arte, toda ficção tem um fundo de verdade, e não existe nada que consiga recriar o amor na literatura. Não há nem mitologia ou ficção que admita magia, conselho ou o que quer que seja que dê jeito.
Mesmo na ficção, tudo é possível de ser mecânica-química-misteriosa-artificialmente concebido. Menos o amor.
Da Bíblia a Harry Potter, nem Jesus Cristo, nem Mérope conseguiram criar o amor. Todos os nossos grandes personagens históricos e literários podiam fazer todas as coisas. Alguns até ressuscitavam, voltavam no tempo, detinham varinhas, lâmpadas maravilhosas e anéis. Mas não podiam fazer ninguém amar. Nem Cristo conseguiu tal feito. Nossa sociedade “hater” de toda uma linhagem de pensamento cristã está aí como prova. Aliás, nem os Beatles conseguiram; e eles se propuseram.
E de músicas sertanejas ao “mercado do amor”, todos sabem desta realidade fatalista.
Dizem que há solução para tudo, menos para a morte. Mas até a morte a medicina conseguiu burlar, ainda que não em totalidade. Mas não há nem ciência nem pajelança que burle as regras do amor. Assim como não há sequer dopamina que o substitua.
É de fato possível recriar todas as coisas.
Nós clonamos e fazemos vida a partir do que é a princípio estéril em laboratório. Fazemos vida artificial, até. Ressuscitamos com adrenalina e eletricidade. Produzimos a felicidade em entorpecentes e tarja preta. Produzimos também realidades paralelas, produzimos ilusões. Nós voamos, cruzamos distâncias, controlamos e deturpamos o tempo. Da alegria à vida, tudo é sinteticamente possível.
Quantas páginas e partituras foram gastas sobre o amor e, no entanto, Ed Sheeran resumiu calendários e resmas em uma única frase: “People fall in love in mysterious ways.”
Amor no final das contas é isso: a essencialização dos mistérios. A maior caixa-preta da vida.
De nossos tubos de ensaio, decodificação, alquimia ou simulacro, somente ele não é reproduzível.
Amor é jogo de azar.