Caco

Você queria comigo fazer um todo, uma unidade constante que nos englobasse em uma coisa só. Sem nunca me perguntar se era o que eu queria, sem nunca se perguntar quem eu era, tentava de todas as formas me engolir dentro de você, tornar-me um convosco. Pois mal sabia tu que tu eras apenas um caco, uma parte mal ajambrada que pouco fazia para poder juntar-se, pontiaguda que era, cortante que era. Sabe, esse é o problema dos cacos, no geral: espalham-se, fazem bagunça, cortam a todos, mas nunca formam uma totalidade como gostariam, nunca são um todo e, precisamente por isso, gostam de fazer com que todos sejam apenas suas partes. A fagocitose por vocês desejada é apenas tão presente quanto o é a vossa incompetência em ser unidade, posto não conseguirem ser uma. Ao fim e ao cabo, é isso: como não se sabem unitários, singulares, independentes, atentam contra tudo que assim for pois só sabem ser o que são. Cristalizados em sua forma vidro predileta, agonizam por serem a única coisa que o vidro pode ser diante de outra coisa: reflexo e, portanto, secundários.

Uriel Nascimento

Doutor em Filosofia Moderna pela PUC- Rio. Também graduado em Filosofia pela Unirio, mestre em Filosofia (Estética) pela PUC-Rio. Psicanalista, integrante do Núcleo de Autismo e Psicose da escola Letra Freudiana. Intérprete e Tradutor Ing<>Port. Dançarino bolsista da Escola Jaime Aroxa. Autor do livro Aquilo que não foi dito, pela Razzah Publishers.

Comments

comments

Quis acreditar mesmo que você queria uma relação de amor. Ledo engano, não pelo que querias, mas por acreditar que amor.
Eu já quis desistir de tudo. E já desisti. De algumas coisas me arrependo, de outras não. Eu acho que em alguns casos, tá tudo bem de você desistir.