Cais II

Quando as horas põem-se a morrer
e finda mais um dia em tons de azul e rosa
em meu rosto, resta só uma lágrima teimosa
é a minha saudade que insiste em escorrer 

A cada instante se afasta e linha do horizonte
ao passo que aqui permaneço; inerte e silente
vejo o sol deitar e o tempo seguir adiante
eis minha solidão ainda mais permanente 

À tua espera, paciente, de poente a poente
vi, diante de mim, uns cem dias e mais mil
e se fez meu olhar cada vez mais descrente
a se perderem as vistas no vasto deserto anil

À tua espera, inocente, não segui em frente
aguardei, então, a tua volta, sem previsão
e de repente, não mais que de repente
senti que o vento soprava n’outra direção

[O vento não volta mais pra perto desse cais]

E o vento, outrora quente, desliza morno
tal qual o choro que foi ficando no caminho
sozinho, sequei meu pranto e calei meu canto
pois não há sequer prenúncio do teu retorno

A brisa fraquejante já não traz nenhum presságio
pois corre tanto pra morrer na areia, abatida
e, entre a partida absoluta e a volta irresoluta, 
com pesar, declaro que é a hora do naufrágio!

De peito aberto, guardei um abraço tão extenso
tal qual a minha espera, que não sei até quando
mas, aproveitando que estou de braços abertos
irei lançar-me num voo ao horizonte, tão imenso!

Ao luzir dos primeiros traços de um novo dia
impávido, irei abandonar, enfim, este cais…
Respirar novos ares em outros mares – alivia!
deixar-me levar por entre os pontos cardeais.

Parte I

Matheus Moreto

Escrevo na ambivalência: dar voz ao que me falta o ar é silenciar o que não me deixa respirar. Psicólogo, pisciano, passageiro. Meio luz, trilha e cachoeira; meio caos e rolê bagaceira

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Seja um dia, seja uma noite, as coisas ficam claras. E elas simplesmente não importam mais. Eu não sei mais o que você está sentindo.