Ontem, quando esbarrei com você no gargalo daquele show, bem na hora daquela maldita música, parece que tudo o que botamos pra dormir veio à tona.
Minha garganta secou, você gaguejou. Minhas palavras não saíram, as suas se entrecortaram no nosso cumprimento desajeitado.
Não sei o que é mais esquisito. Quando éramos íntimos, sem ser; ou agora, que somos estranhos, sem ser. Acontece que nós dois desistimos, mas isso não quer dizer que acabou.
É uma meia verdade aquele clichê de que o tempo leva todas as coisas. Na verdade, sempre achei que o tempo só “empurrasse”, como uma correnteza difícil demais de vencer. Mas, nessa, muitas roupas e cabelos são deixados pra trás.
O tempo empurrou nós dois. Por caminhos opostos, é claro. Nós dois seguimos o baile, como dizem, e muita poesia esbarrou conosco em nosso caminho. Apartados, como se esse fosse o certo.
Agora você lê isso e torce o nariz pra essa minha pretensão em falar sobre esse “nós que nunca existiu”. Mas atira a primeira pedra se você nunca quis largar tudo e revirar o mundo só pra ficarmos juntos.
Fato é que a força do tempo empurra, sacode, bagunça. Mas certas coisas nem o tempo pode levar. O tempo não leva a paz da lembrança do seu cheiro; o sorriso involuntário quando uma frase sai da minha boca, mas é sua; o soquinho no peito quando alguém fala seu nome.
O tempo não leva a falta de ar instantânea se você cruza meu caminho de repente, como aconteceu ontem. E nosso “encontro” só me mostrou o quanto o que ainda incomoda aqui também insiste em permanecer em você.
Não quero assumir uma postura de “quem sabe um dia”, isso é terrível demais. Até porque se ainda queimo, não é “um dia”, é agora. Então eu pego impulso na força do tempo. Larguei meu lado da corda, e, se você ainda me rasga às vezes, é só pra eu lembrar que sentir dor é sinal de estarmos vivos.