Leia a parte 1 aqui.
Nos encontramos num baile, dançamos um forró lento – ela não tinha costume – e um zouk – e o desacostumado aqui era eu. O que eram para ser duas saideiras fim de festa se tornaram o começo de uma outra coisa estranha, percebida por ambos. Transamos aquela noite toda, até quase percebermos (foi mais uma reflexão) que seria mais jogo tomarmos café para ir dormir (nunca agradeci tanto por ser fim de semana). Nos despedimos depois de almoçar algo cozinhado pelos dois num estilo mais comédia romântica do que os dois estavam acostumados. Na hora derradeira, nenhum dos dois parecia inseguro o suficiente para duvidar que o outro ligaria em momento oportuno. Quando? Logo. E foi suficiente.
Nos ligamos dali 45 minutos, ela primeiro, depois eu, mas por uma simples questão de celular descarregado, o que geralmente me faz esquecer que o tenho. Não fosse isso, eu teria ligado primeiro – e quem é solteiro sabe o que a falta de vergonha dessa confissão significa. Conversamos e marcamos de nos ver em breve, tão breve quanto nessa mesma noite, pois já íamos ao mesmo baile antes de nosso encontro, a Fortuna estava do nosso lado. Foi aí que pude ver pela primeira vez sua singularidade.
Como esperado, chegamos excessivamente cedo, aproveitamos o “erro” para tomar algo e conversar. Pude notar ali, pela primeira vez, que havia uma certa melodia na sua voz e no seu corpo e havia também um certo ritmo… e que a junção dos dois possuía um – o quê? Não fazia ideia. E, como o começo já deu a entender, eu gosto muito de pensar. Não sabia o que era esse o quê e isso me fascinava. Mas de certo havia aquele algo que quando não se consegue precisar bem, chamamos de charme, uma espécie de forma de não deixar sem nome a nossa fascinação – e nem deixar de dar créditos ao outro por ela. E era isso que ela tinha enquanto falava, esse charme do encantamento pela própria voz que emanava de seu corpo como uma espécie de imã te atraindo. Tocou uma das nossas músicas de ritmo preferido e ao ritmo do samba de gafieira notei que também ela se perdia como eu.
Os que dançam sabem que existe uma etiqueta na dança que define que existe um que conduz e que outro é conduzido, geralmente sendo o homem o condutor. Os que dançam bem sabem que a ruptura da etiqueta, quando não se sabe bem quem leva quem, é justo o índice da boa dança. Dançando samba com ela senti como se o charme que emanava do seu corpo quando falava estivesse ali também quando dançava. Era como se o meu charme – diz ela que tenho, acredito – a envolvesse e o meu a ela e perdêssemos qualquer noção de tudo. E perdíamos mesmo, tanto que novamente perdemos a noção do tempo na cama e lá se foi quase o domingo todo juntos mais uma vez. Todo encontro parecia marcado por essa desimportância do exterior, mesmo que o exterior fosse apontado pela gente. Deus, o plano astral, os astros, o Homem, a Filosofia, tudo isso servia de pano de fundo para formarmos nosso nós (ou nossos nós, para usar um jogo de palavras um tanto clichê, mas verdadeiro).
Hoje, cinco anos depois desse primeiro encontro, a escrita me faz reviver esse momento como se fosse ontem. Como se precisasse: ela me faz viver esse momento a cada hoje.