Eu queimei a primeira vez quando perguntei seu nome, você contra a parede.
E logo depois, entorpecida pelo misto de rebarba de dia anterior e prévia de dia seguinte, quando vi que havia mais em comum do que o entalhe dos lábios.
E só ali, na mesma noite, foram várias. As referências bobas e as profundas (talvez, por isso, mais bobas ainda). Discrepâncias de se recolher e se arremessar em coisas opostas. O meu comentário vulgar sobre o nude “nunca mostrado desse jeito“. O seu “tá perigando” (lembra?), que você me disse enquanto se afastava e que até hoje me faz pensar no quanto isso representa, no que tange a mim, você.
Sua crise de ciúme, que você, ainda, tem a cara de pau de negar, esperando o Uber. E eu com duas Valentinas em mim. A que se sentiu maravilhada por aquilo e a que me cutucou forte e disse: “Por que você tá gostando disso?! Você tá maluca?!”
Eu queimei.
Naquele dia em que, saindo do trabalho, vi a notificação e me veio tua voz em “Forever”. E senti a efusão se espalhar por todo o corpo, ao mesmo tempo em que me veio a mesma Valentina castradora, pretensa ode à racionalidade: “Para de se sentir assim. Não é nada disso.”
Eu queimei nos meus planos ingênuos de virada de ano e Carnaval, e queimei procurando alugar meu apartamento por temporada por um feriado contigo.
Então queimei de frustração por um corte e por todas as referências que me soterravam de você.
Eu queimei quando mandei a mensagem de um quarto de hotel na cidade em que hoje moro, quando vi resposta, quando você rompeu a falsa indiferença e disse que se importava, quando te disse no McDonald’s que meu “paidesantismo” me dizia que eu nunca mais ia te ver (e, no entanto).
Eu queimei quando voltei, expectativas pisoteadas, planos frustrados, recorri àquele a que você deu a alcunha de plano A, mas logo desisti e fui embora antes de sequer começar.
Liguei para um amigo, que à época morava do outro lado do país, e a única coisa que falei, porque não precisava mais, era sabido, foi: “Por que não importa o que eu faça, ele não sai de mim?” Esse ele era você. Esse ele, como todos os outros eles, era você. E continua sendo.
Foram várias, incontáveis. Mas teve uma, mais uma, que me queimou em particular.
Aquela hora em que a gente se sentou frente a frente em algum lugar escuso perto da Esplanada, eu respirando o ar da tua cidade, que de alguma forma inexplicável tinha se tornado também minha, sufoquei o impulso que socou meu peito e trouxe até a boca as palavras: “Eu tô aqui por tua causa.”
Represei tão forte o que eu queria – precisava, por mais óbvio que fosse – te dizer, que parecia que engoli o sentimento materializado na garganta, eu o senti correndo o esôfago e o trancafiei.
E assim fiz em inúmeras vezes depois. Por que achei que era melhor não dizer? Que isso poderia preservar o que quer que fosse?
Eu queimei, mas não me permiti alastrar, implodi. E evitei.
Olho a chama que agora queima errática na estante e nela acendo o cigarro. Nunca dá para saber se uma centelha é ignição ou extinção. Me diz você.