Clown

Era uma terça-feira quando ele me apareceu, a forma de ajeitar o cabelo atrás das orelhas, entre os óculos, e os truques de malabarismos.

A agonia dos finais de festa transformada em fervor, que sempre se recria na primeira saudação.

Então eu vi. Mas não aquilo que se mostra, como os punhos bonitos e a sequência de tatuagens. Vi a escuridão, mascarada na aura leve, expurgada nas materializações do inconsciente. E o gosto por jogar nessa dualidade.

Ele me fez sua reverência, ajoelhado na minha frente, mas me ofereceu uma pimenta, em vez da esperada rosa saída da cartola. O detalhe da peculiaridade. A simbologia das centelhas que queimam rápido, que lambem em um segundo os arredores, só dá pra pensar depois que se foi enredado.

Foi do mesmo jeito.

Quando percebi a boca já perto, minhas mãos sozinhas em suas pernas. Boca na boca, respiração perto, única opção. Mas, como num truque que se desfaz, tudo suspenso no tempo.

Cruzam-se no ar os trapézios. Vazios. Como o segundo do que já se foi.

Faço eu a tua reverência. Dê o teu show, serei de bom grado teu picadeiro.

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

Comments

comments

Seja um dia, seja uma noite, as coisas ficam claras. E elas simplesmente não importam mais. Eu não sei mais o que você está sentindo.
Se me perguntarem qual amiga que sou, vou responder que sou a amiga que fica. Aquela amiga que segue a vida, mas sempre encontra um tempo.