Vem Conversar

Com tato

Sabe deus quantas vezes digitei e apaguei quantas mensagens. O cumprimento neutro, a preocupação, os assuntos frívolos, os compromissos cotidianos: tudo é sempre uma versão do mesmo. A tentativa urgente e necessária de, da forma possível-acessível no momento, de novo te tocar.

Do tão discreto “Você tá bem?” ao rasgado irrepresável “Eu sou louca por você”, todos são sempre um novo tipo de atalho que não paro de criar pra te ter comigo.

A música que alguma frequência captou aqui em casa esgarça ainda mais essa linha do sentimento que me costura o peito: “Te quero na cama, sem roupa, sem drama”.

Eu te quero assim, mas se fosse só assim seria fácil. Porque eu também quero fora da cama, com roupa de casal combinando, com a tua roupa em que cabem três eus, você com a minha.

Sem drama, ignorando nossos vieses, como se nenhuma aresta de nós dois nunca tivesse existido, mas com todos eles também, o peso exagerado – e tão descabido… – das dúvidas, o drama das minhas palas com as “forças ocultas”, o seu com a hipocondria caçada em todo canto.

Faz parte do toque. Deslizar fácil, mas também ter atrito, resistência.

E é tão reconfortante poder te olhar desse jeito. Vendo o convívio das discordâncias, afinando dissonâncias… com tato.

Penso, repenso, e escrevo e reescrevo incontáveis mensagens. Nenhuma delas parece captar a ideia em sua totalidade. Não é um simples “saudade”, antes fosse.

É você estar aqui, nos pensamentos de tantos sentimentos misturados, no sorriso do nada, na mordida de lábio, no esquentar do peito, no esquentar de todo o corpo.

É em parte isso doer, apertar, retorcer. É em parte eu conseguir apreciar esses recortes evitando pensar em ses e quandos. Sufocando tudo isso até o silêncio… com o travesseiro impregnado do teu cheiro. Fazendo abrigo pra me esconder dentro do sobretudo… que é teu.

É em parte não ter saída, e em parte aceitar que é justo esse o único caminho.

“Te quero comigo fazendo sentido”. A música já mascou minhas ideias mais vezes do que me lembro. Eu mesma já remexi e fechei tantas e tantas vezes esses baús.

E, no entanto, tenho escapatória que não seja o seu toque?

Apago as mensagens, todas elas. Desisto de lhe falar. Não há você que se permita tocar fora desses meus delírios de nós dois. Adormeço, então, com o sorriso-marionete reconfortante desse você que habita todas as permissões tão sólidas dos meus pensamentos.

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

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