Desejo

Desejo primeiro que você tenha fé.

No que quer que seja, porque isso pouco importa. O que realmente te desejo é que você acredite e, no que acreditar, que lute por isso.

Eu desejo também que você seja grato.

Mas não essa besteira de “saber agradecer”, não é isso. Eu desejo que você se sinta grato. Que se sinta satisfeito, que se sinta pleno. Que sinta que está exatamente onde deveria, e queria, estar. Grato pelas pessoas que te cercam, grato pelo cotidiano que te envolve.

Desejo que tudo isso te satisfaça a nível de alma. Porque satisfazer o corpo ou a mente é fácil, mas a alma é difícil. Principalmente pra pessoas tão complexas, cheias de nuances e camadas, como você.

E desejo que, no caminho, você tenha problemas. Não, não desejo mesmo que a vida te livre deles, eu nunca desejaria isso a você. Porque são os problemas que nos fazem saber que somos capazes naqueles momentos em que duvidamos. Mas desejo também que o amargor que eles deixam seja somente retrogosto, porque é importante lembrar, e nunca superfície, porque manter a leveza é essencial.

Eu desejo que você peque, que você erre, que você tropece. E que você sinta todo o peso e toda nuvem carregada da culpa e do arrependimento, porque isso é processo. E que tudo isso faça você crescer e se orgulhar de tudo o que foi, é e vai ser.

Desejo que você cometa uns crimes. Não necessariamente que atentem contra a Constituição, porque isso é completamente irrelevante. Mas que você eventualmente fira a própria lei, porque é assim que a gente consolida nossos valores e quem a gente é.

E desejo, então, que você saiba se reerguer. Queda e fundo do poço são inerentes, mas que nenhuma dor faça você se perder de você mesmo.

Eu desejo que você goze.

Que goze, simplesmente, e isso é literal (o que automaticamente se torna também metafórico, é claro). Em bocas conhecidas, em bocas improváveis, em bocas de uma única vez. Em corpos domesticados, em corpos arredios. E que, gozando, seu corpo seja também arredio. Seja estranho, seja cotidiano, seja descoberta. Mas, principalmente, que seja sempre seu.

Eu desejo que você gargalhe. Gargalhe de perder a noção da hora, gargalhe de ficar meio entorpecido. Gargalhe a ponto de transformar seus olhos de vírgula, tão apertadinhos, em reticências. Gargalhe só por gargalhar, sem motivo.

Desejo que você saiba lidar com o tempo, principalmente. Que você aprenda a apreciá-lo e que saiba como usá-lo, e que nunca permita que ele faça isso com você. Que você diga a ele, pelo menos uma vez, quem é mesmo o dono de quem.

Eu desejo, por fim, que você se deslumbre. Que você se fascine, que se sinta boquiaberto com pouco, que seja surpreendido com muito. Desejo que você se permita, que experimente sentimentos extremos, que aprecie as sutilezas. Que se perca, porque às vezes é necessário, mas que sempre, em todas as vezes, consiga se achar de novo.

Inspirado em Desejo, de Victor Hugo.

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

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