Maquiava-se com a voluptuosidade reservada apenas àquelas mulheres que, secretamente, desejam os olhares que atraem, ainda que digam que não. À linha sinuosa do lápis fazia cobrir suas pálpebras com calma e deleite, contornando seus olhos e ressaltando, com maestria, o charme infantil que possuíam. Seu olhar cândido era obviamente ressaltado por tal manobra e, assim sendo, sempre que desejava conquistar podia apenas utilizar-se da expressão sedutora, porém infantil, de sua face. O resultado era, quase sempre, garantido, o que fazia com que aquele que por tal manobra fosse fisgado fosse também imediatamente descartado como inferior. Faltava a este homem, pensava, aquilo que ironicamente foi sempre atribuído às mulheres: mistério. Faltava também imaginação. Sabê-lo ali conquistado irremediavelmente aumentava tanto seu poder quanto diminuía o valor da conquista. “Nem sequer boas presas sabiam esses homens ser”, pensava. “Talvez por isso cacem”.
O batom e o blush, que bastavam para completar sua mudança, eram aplicados de modo sutil, mas certamente de modo suficiente para atrair não só olhar, mas mesmo o desejo de quem olhasse. Lera em algum lugar sobre a semelhança entre os lábios e a vagina e, desde então, adquirira o hábito de fazer de seus lábios um espetáculo visual para quem os visse. Sabia que era por eles que sairiam ou, talvez fosse melhor dizer, sabia deles é que seriam arrancados os gritos (ou os gemidos – dependia de seu humor –) e estes só se deixariam arrancar por um homem que fosse poderoso o suficiente para tal. Voltava quase sempre frustrada porque antecipava o tal homem e já o tinha desenhado, de modo que a realidade raramente conseguia se comparar à sua fantasia. Se de seus lábios deveriam escapar tais gritos, ritmados com as estocadas ou com a gentileza da língua, que fossem então lábios tão sugestivos quanto seu sexo.
Cores violentas não a atraiam porque gostava do contraste entre seu desejo explosivo e a sua terna e calma aparência. De pele branca, respiração calma e modos tímidos, ainda que sedutores, dificilmente poderiam os homens imaginar que ela era o que era. Era o tipo perfeito de mulher para ser idealizada por fileiras e fileiras de homens tolos que não viam além do que queriam; era, no entanto, o radical oposto do que aparentava e gostava da surpresa quando mostrava sê-lo. Dificilmente sentia-se atraída a ponto de perder-se. Quando o era, entretanto, sua maquiagem dissolvia-se com o suor e sua calma dava lugar a uma respiração ofegante, a uma taquicardia curiosa e um desejo de experimentar cada pedaço daquele que estava com ela como se fosse o último. Alternava entre saborear lentamente e devorar com gula aquele como por milagre a despertava. Por detrás de seus óculos ou de suas lentes e de seu ar coquete, pensavam encontrar apenas uma enganadora rasa e vil, que se divertia com os homens. Aqueles que a isso viam, esses sim tinham sido enganados, entretanto. Seu temperamento era a real máscara que utilizava, seu desprezo pelas conquistas uma defesa não contra o desejo que tinha, mas contra um amor bruto que a consumia calorosamente. Não era um amor por este ou aquele, mas um amor infinito que a ela se mostrava em sonho como sendo um amor por aquele que que viria e seria digno tanto de suas artimanhas – agora elevadas ao máximo – quanto de sua fragilidade – seu único e derradeiro charme de mulher. Sabia-se frágil, sabia-se forte. Só não sabia-se: vista. E isso a incomodava profundamente. Queria mostrar a todos quem era e a única maneira que encontrava era fazendo com que todos para ela olhassem. Todos que olhavam, entretanto, pareciam não vê-la. Essa, sabemos, é a maior maldição.
Texto originalmente publicado aqui.