Ele imperava as trevas. Mas não do tipo que se espera. Sob seu cetro, vertia a obscuridade em lei. Ela imperava dona dos desejos deliberados, que já rasgaram as máscaras.
Ele aprendeu a compor a realidade criando fórmulas, fazendo as vezes de alquimista. Ela, fazendo as vezes de moira, tinha aprendido a resgatar detalhes apodrecidos e lhes dar voo.
Ele ignorava, desprezava era o certo, a validade das alheias verdades. Ela era incapaz de conceber as noites limítrofes entre êxtase e desespero que o levaram até ali. Ele a rotulava: obtusa. Ela lhe apontava o dedo: tolo.
Ele, de seu universo milimetricamente engendrado, admirava quase paterno o caos inocente dela, como assim o entendia. Ela, de suas tranças tecidas a duras penas, assistia a ele se algemar na própria pretensão, fraco, o reprovava.
Ele conduzia esboços dele mesmo, ela supunha. Ela conduzia fantoches coxos, ele julgava.
Ele era perdido. Encontrado, pensava ele na mente dela, o pior dos enganos, cujas costas viradas, fáceis de ignorar, são invariavelmente grades, ela vagava crédula.
Ela, embrenhada em caminhos tortuosos por forças explicáveis nas piores quadraturas dos astros, precisava que lhe atirassem um bote, a mão estendida era pouco, ele se acomodava certo.
E nesse baile desencontrado, ambos se enganavam que detinham qualquer tipo de controle ou de iluminação dos segredos. Apartados, como opostos que concebidos para ser, eram.
Na mitologia da vida, na filosofia da prática, na imanência do cotidiano, nos rascunhos incinerados de composições pela metade, opostos não constituem holismo.
A dialética dessas paixões errantes e descabidas não existe.
Se eu jogar tudo pro alto, você fica comigo?