Vem Conversar

Eu, um obsessivo. Então você

casal se beijando na chuva

Chove, é claro.

Porque nos dias de atividade interna mais nebulosa sempre parece que nada mais cabe no corpo e precisa começar a se materializar em tudo em volta. E foi assim que comecei a me debater pra fugir dessas cordas.

A mulher que me aparece do nada repartindo o cabelo pro mesmo lado que você. Ou a que passou e deixou no ar o cheiro da sua pele. Alguém que esbarra em mim na rua, teu nome num panfleto, uma placa de trânsito. Um amigo que faz o mesmo tipo de piada bosta que você faria. Uma música que tem tudo a ver com teus trejeitos caricatos, mesmo quando está séria (talvez até mais caricato quando está séria).

Então tudo em volta é você, mas nada é de fato.

Você se mostra tão fácil e de bandeja pra mim. E eu, sem saber se é um padrão, um truque, um lampejo ou se sou só mais um de seus tantos personagens, me pergunto: o que você quer de mim?

Me reteso nesse elástico do sentir. De alguma forma, eu te amei no primeiro contato. E te amo hoje, mas me esquivo de mim mesmo, por necessidade. E nessa de criar empecilhos mirabolantes, eu mesmo visto essa maquiagem e esse figurino. Não dá, não posso, não consigo. São tantas outras, em seus apelos e encantos, mas de que adianta, se nada me atinge do mesmo jeito?

Sua conversão já seria por si só sinal dessa escolha recíproca que se fez decreto no peito. O corpo não mente: o arrepio no toque, a pupila dilatada, o sorriso que sai involuntário no olhar de encontros. O péssimo disfarce do nervoso, buscar arrimo em mais um cigarro. E seu enorme esforço pra fingir que está tudo bem. Seu enorme esforço pra tanto conter. Por quê?

Tudo fala mais do que se você pintasse um outdoor aqui na porta da minha casa – e às vezes me pergunto por que você não faz isso. Por que não me dá três tapas na cara, me arrasta, me leva, me impede de negar tanto assim nós dois? Por que não me aparece insana em um lugar em que você sequer teria como saber que eu estava e me decreta seu? Por que me deixa solto, como se não se importasse, como se não quisesse nos atar e correr mundo do meu lado?

Um refúgio em um lugar, em qualquer lugar. Só bastaria ser você. Vem?

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

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