Vem Conversar

INITIALS E&C

Ela me esperava encostada numa parede após carregar seu celular no shopping próximo. Baixinha, como disse que seria, cabelos curtos, lábios grossos e olhos vivos: combinação que gritava desejo e curiosidade numa olhada só, ao menos para mim. Voz mais ou menos rouca e com um sotaque carioca marcado, embora as gírias não o fossem tanto. Acelerada, talvez porque a baixa estatura a faça correr, talvez porque anseie viver logo tudo o que pode. Não sei, a nossa distância para o outro é sempre suspensa por um pilar de mistério.

Virou-se para mim quando me viu, me cumprimentou, seguiu comigo até minha casa. Conversamos amenidades até a hora em que estas resolveram ceder lugar, sob as estrelas que nos banhavam na laje, às intimidades e às feridas que nos marcavam. Ser sujeito é estar sujeito às coisas, afinal.

Enquanto matutava como faria para despi-la, quando daria um beijo e coisas assim – como se estar em minha casa não fosse indicação suficiente -, notava ou fantasiava que ela parecia fazer o mesmo. Como bandeirantes, seus olhos desbravavam regiões inteiras do meu corpo e a cafonice dessa frase mais ou menos advém do quão sem graça ainda me sinto pela lembrança de seu olhar desejoso.

Logo quando notou o quarto preparado, o jogo de chiaroescuro proposto, a música, o ambiente enfim, sorriu e deitou-se, como que indicando estar segura de não ser a presa. A massagem e o toque na pele e a lenta despida em nada a abalaram e o que vi por baixo, a escolha específica de lingerie, o perfume, o relaxamento dos músculos ao toque, tudo isso me disse, quase como um grito, o porquê da calma.

“You were there, Two worlds collided” cantava Bishop Briggs enquanto a gente começava a transar e nada parece mais certo hoje para descerrar o que aconteceu e acontece conosco. A colisão, nos diz a Física, pode ser algo que junta dois corpos e os leva pra mesma direção em conjunção e, desde esse dia, isso parece ser o nosso movimento. A proximidade fez e faz com que meses intensos pareçam anos, a proximidade gradativamente refletindo a intimidade. Inocência quase infantil, desejo praticamente inesgotável: marcas de cumplicidade e de corpos que clamam um pelo outro ainda que distantes.

Na soma das iniciais de cada um dos parágrafos, esse incluso, faço-te presente num texto, como te faço presente na minha vida.

Uriel Nascimento

Doutor em Filosofia Moderna pela PUC- Rio. Também graduado em Filosofia pela Unirio, mestre em Filosofia (Estética) pela PUC-Rio. Psicanalista, integrante do Núcleo de Autismo e Psicose da escola Letra Freudiana. Intérprete e Tradutor Ing<>Port. Dançarino bolsista da Escola Jaime Aroxa. Autor do livro Aquilo que não foi dito, pela Razzah Publishers.

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