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Liberdade ou solidão?

Já faz um tempo que os pensamentos sobre esse questionamento permanecem indo e vindo como vão e vem os momentos a sós com esses pensamentos. A pergunta clássica aparece sempre que um outro é visto fora do bando, presumivelmente deslocado, hipoteticamente rejeitado. Vê-se aquilo com espanto e registra-se em uma foto mais tarde compartilhada na internet. A foto viraliza e seu personagem recebe palmas e condolências. Era simplesmente um homem comendo sozinho, ou bebendo sozinho, ou simplesmente…sozinho. 

E isso apareceu tanto que até virou meme. Afinal, os nossos momentos solitários são liberdade ou solidão? Você vê o copo meio cheio ou meio vazio? Os otimistas cegos e afobados tendem a tropeçar em cima do próprio otimismo e logo se enchem de esperança na metade cheia; os melancólicos dramáticos vão preencher os vazios com seus julgamentos catastróficos sobre a falta; os realistas holísticos, por sua vez, perceberão a totalidade, o pressuposto correto que a metade cheia não existe sem a metade vazia e coexistem simultaneamente. O copo está meio cheio e está meio vazio. 

Ao se depararem sozinhos, muitos querem desesperadamente encontrar o lado positivo disso e agarrá-lo – como se esse sentimento fosse a rocha que o impedisse de cair na solidão do seu vazio. É preferível ver o fenômeno de estar só sob a ótica da liberdade: ser dono de si e do próprio destino, forte, independente dos outros, desapegado e autossuficiente. Saber estar sozinho e aproveitar-se da própria companhia. Sentir a solidão, entretanto, pressupõe a passividade da derrota social, a fraqueza, o encontro literal e simbólico com as ausências e ninguém parece preparado para assumir essa posição, uma vez que preferem se ver libertos dessa angústia.   

Ora, não há liberdade sem solidão, assim como não há solidão sem liberdade. Não se pode ter um ou outro: tem-se ambos, atrelados por sua própria natureza e não opostos. Busca-se tanto o autoconhecimento para alcançar a autossuficiência da liberdade, mas é só no encontro consigo proporcionado pela solidão que se pode encontrá-lo. Antes de ganhar a liberdade é preciso visitar a solidão. E, a partir daí, elas não andam separadas. Chegar e sentar-se na poltrona à meia luz, abrir sua bebida favorita, colocar um som que você gosta sem dar satisfação a ninguém é liberdade…e é também solidão e isso não é ruim – ou pelo menos não deveria ser. 

Há um costume meio mimado em só querer a parte agradável de se ver e se mostrar sem antes aceitar a provação – e sempre vai haver aprovação. O voo da liberdade só vem depois do treino e das falhas que ninguém viu. Querer sentir somente a agradabilidade da suposta liberdade é estar preso à fuga da solidão. A liberdade chega como a conquista do exílio em si. Ser só é ser livre para escolher o que é bom para si, tendo reconhecido o íntimo, agradável e desagradável, suficientemente só. 

Como liberdade e solidão, as pessoas têm tanto defeitos quanto virtudes e assim é com as pessoas que amamos. Podemos, porém, aceitá-las em sua totalidade, reconhecendo os dois lados. Por que não aceitar a totalidade dos sentimentos que vêm meio bons e meio ruins? E de contextos que sejam bons e ruins como é o de estar só? O cuidado de si está na liberdade solitária de reconhecer essa condição, na qual se pode ser consigo mesmo quem verdadeiramente se é. A escolha é livre e solitária e você escolhe o que: potencialidade ou negação? 

Matheus Moreto

Escrevo na ambivalência: dar voz ao que me falta o ar é silenciar o que não me deixa respirar. Psicólogo, pisciano, passageiro. Meio luz, trilha e cachoeira; meio caos e rolê bagaceira

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