O mágico em nÓz

Tinha o hábito de escrever. Tinha o hábito de escrever o que sentia. Tinha o hábito de sentir. 

Afeito às pressas em se viver, em beber até a última gota do brinde que a vida oferece, secar o copo, fui esquecendo como transbordar e me vi ressequido. Afoito em gozar de tudo um pouco, acabei por desfrutar de nada um tanto. Sem se perceber, a rotina se torna tão incisiva na insaciabilidade desse gozo que desabituei a sentir e a escrever. Desabitado fiquei.

A agência de viagens que prepara o roteiro para o melhor proveito dessa extraordinária experiência. Os encontros românticos que se apresentam com os mesmos enredos, os mesmos assuntos, sem dar espaço ao encontro genuíno, do espontâneo que possibilita o escape da interação mecânica. E reproduz-se a queixa da superficialidade da repetição sem sequer dar chance ao equívoco, com todos os deslizes e imperfeições que o real possibilita… 
     
…e continua-se experimentando como afeto o distribuir e receber coraçõezinhos em série nas postagens em um aplicativo de celular. E, inevitavelmente, tornamo-nos o arquétipo do homem de lata, desprovido de um coração pulsante, um coração de carne, um coração que sangra para dentro. Somos nós, todos homens de lata, com corações de onde saem canos de lata, os quais inundamos com lágrimas ao longo dos anos até que, finalmente, enferrujamos. 

E, de tanto tentar, já entoava automatizado os versos, os mantras e as orações, ritmando cada palavras de poder; mas, quanto mais eu tentava, mais desabitado me sentia. E, assim, percebi que não poderia desenferrujar a escrita sem antes ter desenferrujado os afetos que estão entre cada linha, sílaba e silêncio. E, gradualmente, os ecos indistintos do cômodo vazio, nas minhas paredes metálicas, vão recuperando a cadência… 

Como o aprendiz de feiticeiro que, esbaforido, recita as palavras do seu grimório em meio a toda ritualística e não consegue produzir o encantamento. Mal sabe ele que as palavras só fazem efeito se forem sentidas…

Matheus Moreto

Escrevo na ambivalência: dar voz ao que me falta o ar é silenciar o que não me deixa respirar. Psicólogo, pisciano, passageiro. Meio luz, trilha e cachoeira; meio caos e rolê bagaceira

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Seja um dia, seja uma noite, as coisas ficam claras. E elas simplesmente não importam mais. Eu não sei mais o que você está sentindo.
Se me perguntarem qual amiga que sou, vou responder que sou a amiga que fica. Aquela amiga que segue a vida, mas sempre encontra um tempo.