Poderíamos ter sido um casal de novela. Um desses casais que sai na capa dos jornais e todo mundo morre de inveja, esses que dão entrevista juntos e um completa a frase do outro, sabe?
A gente podia ter sido o Arthur Miller e a Marylin, o escritor ranzinza e de saco cheio de tudo que se apaixona – no que é retribuído – pela atriz exuberante, irritantemente feliz, que não confia no próprio talento e que recupera a fé do escritor no mundo. Poderíamos ter sido tudo, deveríamos ter sido nada. Ou vice-versa?
Fomos um do outro quando deveríamos ter sido de nós mesmos. Fomos o que não deveríamos ter sido, ao passo que não fomos (muito) o que deveríamos ter sido. Fomos quando deveríamos não ter ido. Não parávamos um minuto de pensar na felicidade do outro: e-mails, carta, beijos, cafunés, afagos, abraços, palavras, gestos, corpos. Pensávamos tanto na felicidade um do outro que deixamos para o outro cuidar da nossa felicidade. Um surdo guiando um cego em um baile funk.
Poderíamos ter sido um exemplo para os mais jovens e motivo de inveja para os mais velhos. Fomos um mau exemplo para os mais jovens e um alívio para os mais velhos. Teríamos dado a vida um pelo outro, se preciso fosse, mas não dávamos nossa vida a nó mesmos. E enquanto você voltou a fazer o que ama, eu perdi a minha pena naquele banco de praça onde você me fez carinho no rosto pela última vez. E nunca mais achei.
Poderíamos ter sido capítulo em livros sobre casais perfeitos. Acabamos sendo um capítulo sobre o que não fazer para destruir a sua relação e não acabar em um relacionamento beirando o abuso mútuo. Fomos perfeitos por algum tempo, imperfeitos a maior parte do tempo e uma bomba relógio por mais tempo do que deveríamos ter sido.
Fomos como uma criança prodígio, superdotada, que entra na faculdade aos quinze anos mas, aos quarenta, trabalha como frentista no turno da madrugada em um posto de gasolina na beira da estrada. Nada contra frentistas, mas pelo nosso potencial deveríamos ter sido um médico, um juiz ou um ganhador do Nobel. Mas não fomos. Mas fomos. Não deveríamos ter sido. Não deveríamos ter ido.