Minha carne é de carnaval, meu coração é igual. A euforia dos corpos foliões em movimento sinalizava como anúncio vívido a chegada de mais um deles: encarnei no carnaval e não poderia ter melhor festa de recepção, nem nessa, nem em outra encarnação. Avisa lá, avisa lá!
A farra na rua, enfeitada de cores e de verdade nos amores de verão que serão lembrados por toda uma vida; a aura calorosa de descarrego nos beijos sob a chuva e sol; o encontro do carnal e do etéreo na batida dos tambores e o dançar sem vergonha e sem julgamento. Haja amor. E rodeado de toda essa energia que segue somente na direção do riso e da alegria, de uma forma ou de outra, a percussão do axé, força sagrada dos orixás, fez alinhamento e inevitável extensão nas batidas do meu coração.
Eu sempre fui de festa: de todos os gostos, de todos os sons. Trago-me como própria oferenda à mística da conexão com o momento, celebrar o agora ao lado daqueles que quero bem além do simples bem querer. Filho do mar e da chuva de verão, não aprendi a ser pouca entrega. Se verdadeiro, tudo vale para os nativos de fevereiro.
Eu sempre fui festa para quem viesse vestido de contas transparentes e sorriso sincero. Como fui muito bem recebido em festa, aprendi a também assim receber. O cenário, de tempos em tempos, está pronto para quem chegar e precisar. Preparada com cuidado, uma festa surpresa para um anfitrião indefinido: decorada com meu olhar mais desvelado, minha intenção mais genuína e meu convívio mais leal e devotado. Tudo dado de muito bom grado.
O meu peito tem trilha sonora para cada instante, embalando cada memória, e tocava um axé quando você chegou. Resolvi mostrar desmascarado como estava boa a festa, como estava de bem comigo mesmo e, acho que por isso, você decidiu ficar mais um pouco naquele bloquinho modesto, mas autêntico.
Eu nunca fui tão feliz como logo antes da sua chegada e eu nunca fui tão triste como logo depois da sua partida. Andar de mãos dadas na beira da praia, por esse momento eu sempre esperei…e não aconteceu e nem vai. O bloco acabou, as cores se unificaram em cinzas. O axé virou Belchior tocando no jukebox de um boteco vazio.
Essa festa foi para você, mas a festa não é sua. A festa é minha. Saber que a folia independe de quem for chegar é o que me conforta. O jeito de festejar é meu e ninguém pode tirar; e entra quem eu deixo entrar; onde corre uma nascente de celebração a quem souber matar a sede de afeto e suor; aproveitar o calor no meio da multidão que sou.
A festa, a felicidade de estar festejando, a dedicação, atenção, interesse, entusiasmo e empenho destinados à festividade…por sorte, está tudo em mim, igual para qualquer outra presença. E todo dia eu tento arrumar um pouco mais dessa bagunça que ficou no salão. Um toque de etiqueta apenas: não é errado, mas é deselegante sair da
festa antes dela acabar e não ajudar a arrumar.
O ano de 2021 não teve carnaval. Talvez o próximo também não tenha e, honestamente, eu não escuto os sinais. Ah, mas quando acontecer… devo garantir entregas fiéis e totais a outros beijos casuais e desfiles de sorrisos e peitos abertos que mereçam verdadeiramente os meus carnavais.