Vem Conversar

Para amolecer seu coração

Eu tinha trinta e seis anos, e ela vinte ou vinte e um. Foi a primeira pessoa que eu conheci no Tinder e foi a que mais me marcou. De cara ela matou meu preconceito de que nesses apps só tem gente carente ou “needy”. Ela não. Linda, falante, feliz, sempre gesticulando muito. Chegava na minha casa e, até sentar no sofá e parar de falar, eram trinta minutos. Eu adorava como ela falava, desenhando com os braços, animada, sobre qualquer assunto. Tarô, trabalho, a praia, a faculdade, os pais, a casa, escrita, tudo que ela falava era com uma empolgação que te fisgava qualquer que fosse o assunto. Aqueles olhos enormes, de um marrom aperolado que parecem que foram lustrados, brilhantes, ora perdidos, absortos, ora te olhando pra garantir se você está prestando atenção.

Os olhos… Eu não sou afeito a elogios absolutos. As pernas mais bonitas, o melhor beijo, acho elogios absolutos perigosos. Mas me desculpem todos os outros olhos do mundo, os olhos da Y são os olhos mais bonitos que eu já vi na vida. Juro pra você, sem proselitismo. Grandes, não redondos, mas arredondados, sempre atentos, olhos que sorriam mais do que qualquer boca com botox. Mas não era só a beleza dela que me chamava atenção. Além de linda, ela era inteligente, de personalidade forte, carinhosa, madura, mas sem deixar de ser uma menina sonhadora e esperançosa. Sempre com casacos grandes, com as mãos pra dentro, parecendo uma garota que sabe que é linda, ou que não liga pra isso, e pega a primeira roupa que vem à frente. Aliás, poucas vezes na vida vi alguém tão jovem e com pensamentos tão independentes e tão autoconsciente. Sem falar que ela escrevia, e escreve, maravilhosamente bem, como poucas vezes eu vi alguém tão jovem escrever.

As conversas eram longas, os carinhos e abraços, apertados, até que nos afastamos. Sem briga, sem fato, sem ato, só a vida. Continuamos nos falando, eu, com meu senso de proteção que admito que beira a posse, sempre tentava aconselhá-la com relação aos homens, e ela, pacientemente, nunca me mandou à merda por me meter tanto na sua vida. Até que um dia eu fiz algo que a magoou. Algo que para mim era absolutamente banal e inclusive seria encarado como uma brincadeira, mas que causou um distanciamento tão grande e poderoso que dura até hoje. E hoje, neste momento, faz duas horas que tentei falar com ela e fui solenemente bloqueado. Ela tem o direito de saber até onde eu a magoei. Mas eu tenho o direito de escrever um texto fofo e verdadeiro pra tentar amolecer seu coração e fazer ela voltar a falar comigo. Pensei em suborno em dinheiro, mas não funcionaria. Doces também não. Preferi apelar para o sentimentalismo, espero que funcione.

Leo Luz

Leonardo Luz é escritor e roteirista, e não sabe fazer mais nada da vida, a não ser jogar poker e fazer pipoca de microondas.

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