Tem três coisas na vida das quais eu me gabo: de nunca ter tido uma câimbra na vida, de não ficar gripado e de não sonhar. Na verdade eu sonho, mas muito pouco. E, ao longo destes quarenta e um anos, eu só tive uma presença recorrente nos meus sonhos: você. Desde quando estávamos juntos e os sonhos eram só extensões dos nossos dias, você alugou um latifúndio na porra da minha cabeça e, dos poucos e raros sonhos que eu tenho, um a cada cinco é com você. E eles sempre fazem um mínimo sentido. Nunca é você vestida de Lara Croft na selva me caçando (parando para pensar, não sei se seria tão ruim…) nem você como presidente do Brasil me prendendo como preso político. Eles sempre fazem sentido.
Neste sonho eu estava em uma varanda com o Loki aos meus pés, roendo um osso, e a chuva ia começar. Eu ficava em dúvida entre recolher a roupa e levar o Loki para passear antes dela cair. O Loki ameaça correr mas me espera para leva-lo para passear. Atrás de mim, a sua voz: “Aposto que você tá pensando em deixar a roupa no varal molhar só pra não deixar o Loki sem passear”. Eu não te vejo porque você se aproxima por trás e me abraça. Sinto seu cheiro – do qual eu me lembro até hoje -, e sinto sua mão envolver a minha barriga. Eu não respondo e só sorrio. Você pega a guia do Loki, coloca a coleira nele e vai descendo as escadas, sob os primeiros pingos de chuva.
“E a roupa?”, eu pergunto. Você aponta para trás com um passo de balé, com os pés, e eu vejo toda a roupa já guardada no cesto. Eu sorrio porque sei porque você fez isso. “Recolher a roupa porque eu tô ocupado você não recolhe, mas pra correr na chuva que nem uma doida você faz…”. E, quando me viro, você já está na chuva, de olhos fechados, enquanto o Loki se esparrama em uma poça. E antes que eu pudesse calçar as botas e colocar a capa de chuva, vocês saem correndo se molhando o máximo que podem, com você gritando: “Parece que seu filho puxou a mim e gosta de banho de chuva!”, e vocês somem no quintal, enquanto eu, apesar de odiar chuva, tento acompanhá-los, de capa e botas feliz porque, mesmo tendo que dar banho nele e limpar a casa depois, você estava por perto.