Sextou com S de Você

Sabe, eu deveria ter acordado limpando a minha baba noturna no seu peito, cheirando seu pescoço, te puxando mais pra perto de mim com as pernas. Só sei que, quando abri os olhos, apesar da ausência tão indevida de você, o que me dominou foi o alívio pela noite anterior. 

Alívio óbvio pelo tesão e pela catarse que alcançam um nível cósmico quando é com você, mas não só por essas partes tangíveis. Alívio pelo teu regresso – e os ares de permanência. Alívio por te olhar aqui, perambulando pela minha casa como se dela você fizesse parte. Alívio pelas suas roupas no chão – minha decoração preferida -, pelo som da voz, pelo sorriso, pelo jeito que você segura e faz massagem no meu pé quando nos sentamos frente a frente e falamos de qualquer coisa bem menos importante do que nós. Alívio por você, simplesmente.

Meu corpo te reconhece, e isso é impressionante. Meu corpo responde inteiro ao seu toque. Não, nem preciso disso. Ele responde inteiro à tua presença, pura e simplesmente. Te olhar me basta.

Um lapso da sua chegada. O aviso do porteiro, o som do elevador, os passos no corredor. Você tirando os sapatos sem eu precisar pedir, naturalizando os mapas da minha casa como naturalizou os meus. Ou já eram naturais pra você, de alguma forma. O caminho já sabido da língua na língua. A sensação que continua reverberando na ressaca dos dias seguintes. Muitos dias seguintes, sempre muitos.

E, nessas rebarbas dos depois, sorvo em doses homeopáticas aqueles momentos pouco pensados – sentidos, sim, mistos de sentimentos e instintos, refazendo as nossas cenas. Você, suas piadas e evasões, máscaras da seriedade e cafungadas sôfregas um no outro na resolução. Você e o platô perene que é sua valsa improvisada na minha mente. Você. Nós dois.

Largo o pensamento, os afazeres do dia me obrigam a isso. A parte consciente e proposital dele, é claro. A qualquer momento, você vai me ocorrer. Basta uma música, qualquer uma, que me pegue desavisada e me crave um sorriso que tem teu gosto. Sextou com S de Você, a saudade escancarada e o show na cama, que, por de você agora eu só ter o pensamento, ergo a ele minha taça de fel.

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

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