Sobre amar você, parte dois

casal se beijando na cama

Ergui meu brinde solitário à dor – não ousaria calá-la. Era a dor o que restava de nós, a última coisa que ainda compartilhávamos.

Porque havia um detalhe, também.

Nossa analgesia sempre se deu pelos excessos: roxos e fendas lacerando a pele, dispensar artifícios, assistir com gozo ao sangue espesso marcar trajetória.

Mal sabem eles que conversão nunca foi vazamento, mas é a brecha em que um inconsciente que precisou ser endurecido encontra permissão para sentir. Frente à mínima recusa de qualquer emoção, a pontada aguda na cabeça, por pretensamente objetiva, se autoriza.

Mas doeu diferente te ter tão forasteira de mim – fora do meu alcance, nunca mais óbvia. Foi assim que percebi que a obviedade é sempre um holograma dos nossos desejos.

Foi assim que você me ressurgiu, também:

Atravessando a rua, vindo em direção ao bar em que eu estava. Chutando toda teoria já feita na profundidade do breu dos olhos que guardam respostas – se, e somente se, tal qual oceanos e galáxias, sua verdade não fosse sempre inescrutável. Cabelos negros e as coxas – aquelas coxas.

Engulo os sentimentos, um a um. Te sorrio cético. O que me resta além de aceitar minha sina?

Parte Um

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

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Seja um dia, seja uma noite, as coisas ficam claras. E elas simplesmente não importam mais. Eu não sei mais o que você está sentindo.
Se me perguntarem qual amiga que sou, vou responder que sou a amiga que fica. Aquela amiga que segue a vida, mas sempre encontra um tempo.