Ergui meu brinde solitário à dor – não ousaria calá-la. Era a dor o que restava de nós, a última coisa que ainda compartilhávamos.
Porque havia um detalhe, também.
Nossa analgesia sempre se deu pelos excessos: roxos e fendas lacerando a pele, dispensar artifícios, assistir com gozo ao sangue espesso marcar trajetória.
Mal sabem eles que conversão nunca foi vazamento, mas é a brecha em que um inconsciente que precisou ser endurecido encontra permissão para sentir. Frente à mínima recusa de qualquer emoção, a pontada aguda na cabeça, por pretensamente objetiva, se autoriza.
Mas doeu diferente te ter tão forasteira de mim – fora do meu alcance, nunca mais óbvia. Foi assim que percebi que a obviedade é sempre um holograma dos nossos desejos.
Foi assim que você me ressurgiu, também:
Atravessando a rua, vindo em direção ao bar em que eu estava. Chutando toda teoria já feita na profundidade do breu dos olhos que guardam respostas – se, e somente se, tal qual oceanos e galáxias, sua verdade não fosse sempre inescrutável. Cabelos negros e as coxas – aquelas coxas.
Engulo os sentimentos, um a um. Te sorrio cético. O que me resta além de aceitar minha sina?