Vem Conversar

Sobre amar você, parte quarto

casal se beijando na cama

É curioso pensar nas formas tão sutis e inesperadas como o amor se desenvolve. Comigo foi assim: Giovana me pedindo um cigarro.

Chovia, mas não o suficiente pra nós dois rejeitarmos o vício. Estendi-lhe o isqueiro, e ela não firmava a mão na chama; então teve um acesso de riso pelo ridículo da cena. Mas de alguma forma inexplicável – e é justo no inexplicável que reside toda magia – aquilo me pegou. Você tá nervosa?, perguntei. Ela me contou que teria a inauguração da sua galeria de arte dali a algumas horas, e que aquilo a estava consumindo.

Imaginar Giovana minuciosamente arrumada em chapéus e echarpes hiperbólicos me socou o peito. Pudera eu naquela multidão de irrelevantes vazios que em torno dela gravitava lhe ser o sentido. Giovana era, então, a dose exata de não concretização, para que eu não me tivesse goela abaixo forçado o gosto enojante dos amores realizados.

Mas no decorrer dos dias, quando vi sua entrega nas excessivas mensagens de bom dia, o sentimento em ebulição foi sufocado pelas minhas defesas. Eu a amei enquanto ela era a aura inalcançável – pseudocelebridade, mistério de pessoa que pouco se dá e esparsas respostas. Mas se há uma coisa a qual nunca fui dado é à realidade, eis onde gritam todos os traços psicóticos que tanto cultivei com mais afeto do que a qualquer outra coisa na vida dedicado. Capa ficcional de realidade outra, nunca passível de se transformar em fato.

Giovana me amou daquele jeito utópico somente em ficção permitido.

Por que fez isso? Por que se-me deu tão clara e óbvia como possibilidade? Ela estragou tudo.

Parte I
Parte II
Parte III

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

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