Sobre amar você, parte um

casal se beijando na cama

Kant falava do sublime como aquilo que ao mesmo tempo atrai e repele, em um ciclo que, tal qual o elástico entre o obsessivo e a histérica, por si se alimenta.

Ele falava da arte, por seu caráter de ruptura e incômodo. Mas essa faceta é humana. Aquilo que te atrai e envolve não é necessariamente estranho e aversivo em algum nível? A gente só é abalado por pessoas em que nossos próprios traumas encontram eco – tal qual um espelho, esvaziado de seu conteúdo particular, pois irrelevante. Amor real – enquanto chama, a gosto de Vinicius de Moraes – não pode, então, existir, e Nietzsche sempre esteve certo.

Química, atração, paixão… são sempre um grito de desespero do inconsciente. Por isso queima. Não à toa paixão deriva em ideia de ira [radical eirs, no indoeuropeu], com todo seu poder de ação, e, em etimologia, de pathos, apassivadora tal qual patologia, debilitante. Força realizadora e estagnação. É o sublime kantiano em seu estado mais autêntico. A centelha – necessária e aversiva – da boa arte, a mesma centelha das paixões. Se não incomoda, não tem graça, pois não afeta – eis de onde deriva toda nossa experiência de representação do real.

A linha entre a estranheza e o envolvimento precisa ser tênue, pois é justo essa sua condição sine qua non. Brindemos.

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

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