Suas mãos, sua pele, sua temperatura

A luz do sol incide sobre meu rosto já desperto. Insone, aliás. Na vigília frenética que me tem imposto a colisão das nossas memórias e dos meus desejos.

Suas mãos. Sua pele. Sua temperatura. Minhas mãos na calcinha, meu grito sufocado no travesseiro.

Se pensamento fosse sólido, o meu já teria te marcado a ferro nessas paredes. Nos móveis, no chão, no teto. Em tudo que eu toco.

Mas ele é etéreo, e esse peso intocável só atinge os materiais mais sensíveis. Tinge minha pele de vermelho, enreda nossas ideias, te faz esporrar no box. E, como um falsete perfeitamente executado, treme minhas janelas e estilhaça seus copos.

A ladainha perene reverbera pelos meus poros. Suas mãos. Sua pele. Sua temperatura. Suas mãos. Sua pele. Sua temperatura. Suas mãos. Sua pele. Sua temperatura. Suas mãos, seus dedos, seu toque, CARALHO.

Respiro fundo, troco a faixa do disco. De que adianta? A vitrola insiste em recair nesses vincos que já se formaram. Suas mãos. Sua pele. Sua temperatura.

Se eu erguer uma cabana no meio do mato, será que suas sombras se desfazem? Se eu me esconder em um bunker de guerra, será que consigo decapitar o vício? Se eu trocar o meu nome, cortar os meus cabelos, vender os meus livros, será que suas raízes me desenlaçam?

Suas mãos. Sua pele. Sua temperatura. Seu cheiro e seu gosto indiscerníveis no meu palato.

Me levanto de rompante. Lacrar as portas, blindar as frestas, robótica, me digo, me repito.

Tenho um ímpeto de fechar as cortinas. Pudera. Eu nunca as tive.

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

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