Tua

Você me fez tua.

No riso. No gozo. No abraço que cria vontade própria e sozinho se demora.

A sua barba te assinando nas minhas costas. A cara fechada que a retina transforma em retrato. A enarmonia dos nossos gemidos. E o poder nada sutil de gozar com o teu arrepio.

Você me fez tua.

Em todos os detalhes que se pode se apossar de uma mulher.

O cheiro nos lençóis. O café na sacada. A playlist cortando as atividades fáticas. Cozinhar alguma comida monótona e me vir você, porque você só come sempre a mesma coisa. O ritmo das ruas. Os sinais de trânsito. E nada mais disso existe independente de você.

Você me fez tua.

E o que importa agora além do movimento da língua na língua? O desprezo das obrigações, das notificações. Basta te saber dentro de mim.

De todos os jeitos que você pode estar dentro de mim. Que deve estar.

E a gente ainda inventa outros.

Você me fez tua.

Sentada no teu colo. Você falando alguma bobeira pra me deixar entre a gargalhada vulgar e a minha típica credulidade excessiva te perguntando se é sério.

Sentada no teu colo. Encaixada, também. Você me apertando forte, e eu sussurrando no teu ouvido:

Eu sou tão tua.

A constatação é muito mais pra mim. De alguma forma, você sabe.

Afinal, você me fez tua.

E disso fui refém, do melhor jeito que os reféns se fazem: sem aviso e sem resgate. Mas escolhi, e escolho, ser tua. Inteira. De pulso e de centelha. Tua na trégua de me ver de novo em teus braços. E tua queimando até tudo à nossa volta sumir nas labaredas de nós dois.

“Se for roubar a minha paz, taca fogo, incendeia. Nossas vidas, esse lugar, seja a errata perfeita. Me mordo de vontade. Arde.”

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

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