Relacionamento

06/01/2021

Um amor de serra

Esse é um romance escrito pelas nossas colunistas Mikaele Tavares e Carolina, onde você pode acompanhar novos capítulos toda quarta-feira.

CAPÍTULO 1 – Selton

Devia ser crime hediondo surgir trabalho do nada no domingo. Mas Xandão chorou as mágoas dele pra eu fazer a substituição dele na agência. Por anos eu que guiei a trilha, sabia até melhor do que ele. Deu alguma desculpa entre gripe e desarranjo, mas eu sabia que tinha mulher no meio. Como se eu não conhecesse! Que seja, deixa ele ser feliz.

Lembro dos planos que tinha feito enquanto jogo uma água na cara e passo o café. Não posso reclamar de ter uma desculpa pra adiar mais uns dias a tarde na praia com a família da Vina, eu não estava nem um pouco preparado pra isso. Nem queria estar.

Mandei uma mensagem pra Vina e silenciei as notificações, era trabalho, afinal.

Mas isso não conteria suas ligações, claro, e um monte de mensagem que li por cima. Eu a veria mais tarde, quando acabasse a trilha, mas ela insistia que era desculpa e eu não iria. Me afastei do grupo “Um momentinho, preciso atender a uma chamada, trabalho, também…” como se eu fosse o próprio homem de negócios ali de moletom e tênis. Agora, se tinha  uma coisa que aquela “relação” tava me dando era trabalho. Caminhei por um acesso curto não muito longe dali. Poucos passos, fui freado. Não parei, fui parado. Senti a garganta secar de repente.

Era uma mulher. 

Dane-se, fiz uma foto. Altura mediana, cabelos negros por volta dos ombros, as gotas de água ao redor pareciam ter suspendido o tempo. (Ou eu que coloquei mais vodka do que deveria no café para um dia de labuta). Olho a foto, peguei um ângulo dela sorrindo brincando com as ondulações da água, maiô colado no corpo.

Vou falar com ela. Procuro com os olhos. Ela. Olho em volta. A mulher sumiu? Giro o corpo. Não é possível, eu conheço isso daqui como a palma da minha mão.

Então me dou conta de onde eu estou. O poço das moças. Eu, logo eu, traído pela lenda? Ah, não. Volto pra uma Vina nervosa no telefone. “É, você tem razão, eu não vou te ver hoje”. Resmungou um “Quê?!”, mas não quis me dissuadir, despendeu outras ofensas e desligou. Acho que era isso que ela queria, motivo pra treta, dizem que aquece a relação. Relação, até parece.

Preciso achar o grupo de volta. Será que consigo uns trocados na foto da mulher misteriosa? O testemunho mais recente de que a lenda pode ser real? Deve valer alguma coisa.

CAPÍTULO 2 – Ayla

Depois de 2 voos, 9 horas de viagem e 1 viagem de Uber, cheguei em casa. Fiz toda a limpeza possível com um banho bem tomado e muito álcool em gel. Finalmente, pude abraçar meus pais e sentir o calor dos seus abraços.

Já são 6 meses sem ver meus pais e com a flexibilização, resolvi voltar para passar os dois últimos meses na casa deles.

A cidade grande é ótima para agito, festas e movimento. Também sinto falta da tranquilidade que o interior traz. Claro que Aracaju não é tão pequena assim, mas é Aracaju.

Os primeiros dias foram de preguiça e nas pausas do meu trabalho de home office, assistia algo na TV com meus pais, eles me contavam as novidades da família, dos vizinhos e dos gatos da área que eles praticamente adotaram.

– Você está muito magrinha. – minha mãe repetia isso todos os dias e não parava de cozinhar comidas especiais. Eu amava, lógico.

Estava com saudades desse aconchego de casa e de ser mimada com filha única que sou.

Os meus horários e os horários com as minhas amigas não batiam. Eu precisava me reconectar com a natureza que sabia que aqui existia. Até que vi um anúncio de uma agência com trilha para Serra de Itabaiana para o próximo domingo e marquei.

Eu estava com muitas saudades das trilhas, mas não esperava a surpresa que me aguardava.

O domingo estava com sol, o que deixaria a trilha ainda mais atrativa. Acordei mais animada do que o normal. Minha intuição me dizia que hoje seria um dia especial.

A trilha na Serra de Itabaiana é uma das mais íngremes e acaba cedo, a depender do grupo. Tem alguns pontos para banho e não sabia por qual rota a gente seguiria, mas as pessoas no grupo do WhatsApp estavam animadas e aceitavam tudo.

Por sorte, gostei do grupo da excursão e todos pareciam ser legais. Apesar de alguns olhares ficarem surpresos por eu vim sozinha, logo se transformaram em admiração pela minha coragem.

Eu não via nada demais em fazer algo que estava a fim. Talvez fossem resquícios da praticidade que adquiri pelos 2 anos e meio morando em São Paulo. 

Aquela trilha simplesmente era o que eu precisava no domingo para recarregar (ainda mais) as energias. Não há nada ruim que um banho de cachoeira não elimine e limpe a sua vida, como dizia minha vó.

Chegamos ao destinos e fizemos um alongamento antes de começar a trilha e eu já estava super ativa às 7h da manhã. Ainda respondi a mensagem da minha amiga Magali confirmando que, sim, eu tinha ido para a trilha.

Meu sorriso no rosto despertava curiosidade em algumas pessoas que insistiam em saber o motivo por eu ter ido sozinha.

Mas, gente, eu só quero fazer uma trilha?

A subida foi um pouco cansativa por conta das semanas que fiquei parada sem me exercitar direito, porém eu fiz tranquila e no meu ritmo.

Fiquei no grupo do meio e procurava ficar mais sozinha por querer aproveitar o meu momento e a conexão com a natureza.

Tanta coisa passava na minha cabeça, fiz reflexões que nem eu mesma esperava e me questionei se estava pronta para dar um grande passo na minha vida.

Logo espantei o pensamento porque não era o momento para pensar nisso e mergulhei fundo na primeira parada de banho.

Que banho!

Ah, eu realmente precisava desse mergulho na cachoeira. A água doce esquentou minha alma e tudo parecia mais claro ainda. Aproveitei cada segundo, o que deixava meu sorriso ainda mais largo.

Parecia uma criança. E nem liguei para quem estava ao meu redor, até que ouvi um barulho de um clique de longe. Será que tinha mais gente por ali?

O fotógrafo da agência estava do outro lado, então não tinha como ser ele. 

Resolvi me afastar, mas confesso que fiquei curiosa e com vontade de voltar para saber quem era.

CAPÍTULO 3 – Selton

O suor e o ar ficando rarefeito fazem o seu trabalho. Meu condicionamento é bom, mesmo destreinado como guia. O que me atinge não é o clima, mas a miragem daquela mulher. Ter ficado um tempo sem vir aqui me fez ser pego pelas armadilhas que esse lugar guarda?

Não, não, é pra direita mesmo, uma cliente tipo MILF me corrige. Ela está certa, direita, direita, subindo.

Eu nunca tinha errado a direção. E é claro que não foi o tempo que fiquei afastado da agência. Bebo os últimos vestígios de água da garrafa, como se isso pudesse voltar meus pensamentos pra onde devem estar.

É o poder da fantasia, só isso. Ainda temos um caminho e toda a volta.

Vina não mandou mais mensagem, vejo uma notificação de Alexandre. Beber mais tarde, sério? Cadê a tal doença que impediu o malandro de trabalhar? É cada uma! Confirmo, é claro que eu vou. Não vou perder a chance de fazer um drama e ainda beber na conta dele. É o mínimo, né?

A MILF que me corrigiu vem alisando meu braço, não é a primeira vez, perguntando se tá tudo bem. Xandão tem razão, às vezes sou bem lerdo pra perceber flerte. Mas depois de ela dizer que me achou relapso e perguntar se eu queria conversar, “uma esticadinha da trilha, nós dois”, bom, não deixou muita margem pra dúvida.

Seguro o riso lembrando das histórias dele, reclamando que desperdício o “porte-garanhão de 1,83m”. Já teria feito o corte e desenrolado, eu não. Eu não dou certo nem pelos meios tradicionais, vê se vou me meter com cliente da agência?!

Desconverso, “é só o meu jeito, eu sou assim mesmo”. Em parte. Já dei minha cota de treta por uns bons meses. Estamos quase chegando, tomo a dianteira, deixando uma MILF um tanto decepcionada para trás.

Os trilheiros riem e fazem vídeos fazendo graça de estarem ofegantes. Conforme chegamos ao topo, lembro de mais algumas histórias famosas sobre essa serra. Histórias. Esse lugar tá marcado em muitas das minhas. 

A 659 metros de altitude, o segundo ponto mais alto de Sergipe, o céu e o chão parecem ter se nivelado. A paisagem acidentada, os tons de marrom e de verde pintam a imensidão da vida. 

Pego o celular para postar a vista, a tela que desbloqueio está na foto da mulher misteriosa. Ok, isso está um pouco estranho agora. Eu não fechei a tela assim, tenho certeza. 

Dizem que os lugares falam com a gente, se a gente deixar.

Sinto um arrepio pelas costas de reconhecimento, me viro de repente, chego a sentir tonteira. Reconheço a aura leve. Então os cabelos negros na altura dos ombros.

Reconheço o sorriso que só tinha visto de longe. Reconheço o maiô, quando percebo que dei uma escaneada nela. Merda. Abro a boca pra falar com ela, meio sem saber o quê.

Alguma coisa, qualquer coisa. Mas ela, a mulher misteriosa da foto, bem ali na minha frente, se adianta.

CAPÍTULO 4 – Ayla

O banho na cachoeira foi rejuvenescedor, lavou a alma. Parece que tirei várias energias ruins e me senti bem como há algum tempo já não sentia.

Seguimos a trilha onde a subida foi um pouco desgastante. Culpa da minha falta de preparo físico, mas lembrei que a descida seria pior, então só me segui firme e admirei a vista.

Que vista me aguardava…

Além de contemplar a cidade, a Serra de Itabaiana me apresentou uma outra vista, com um belo desenho em pessoa e me contive.

Um moreno gostoso, com barriga tanquinho estava bem à minha frente parado enquanto mexia no celular.

Deu água na boca, mas apenas disse:

  • Oi… rs

Ele ficou parado por alguns segundos sem acreditar ou sem escutar, não sei. Até que disse, meio tímido:

  • Oi.

Meu grupo se encaminhou mais para o centro e acompanhei.

Juro que não esperava por essa surpresa, mas tem coisas que são bem-vindas.

O grupo ainda ficou por ali já que a parada é obrigatória. A vista é linda! Muita gente foi logo tirar as fotos, mas aproveitei para comer e contemplar a belíssima paisagem à minha frente.

Estou me referindo à Serra, pois o cara parecia bem entrosado com outra mulher do grupo dele.

Depois de alguns minutos na minha solidão em grupo, me arrisquei a tirar algumas fotos. Com ajuda do fotógrafo, me arrisquei em algumas poses e me senti mais leve e solta como nunca.

Hora da descida e me preparei psicologicamente para o que me esperava. 

A descida da Serra é bastante íngreme, o que exige bastante atenção e equilíbrio, algo que não tenho muito.

Pouco tempo depois, eu percebi que os dois grupos estavam juntos. Parece que o cara gostoso conhecia o dono da agência que fui, então voltaram juntos.

Confesso que, apesar de algumas pessoas conversarem comigo, eu estava interessada em outra conversa.

Me mantive por perto, mas não tão perto assim. Afinal, queria descobrir um pouco mais dele. Quem será esse cara?

Levei alguns escorregões, mas não cheguei a cair. Então, tudo certo na minha vida um pouco atrapalhada.

Até que na estrada que dá acesso a trilha, já no final da nossa jornada, a poucos metros do ônibus, eu bati meu pé em um galho.

Girei de dor e nessa volta, o cara gostoso me acudiu. Sorte ou azar?

  • Você está bem?
  • Doeu um pouco. Não ligue que vou ficar bem. Sou exagerada e atrapalhada.
  • Selton, prazer.
  • Ayla.
  • Vamos. Apoie em mim que eu te acompanho até seu ônibus.

Eu segurei firme nos seus braços musculosos e me contive para não demonstrar a atração que senti com sua proximidade. 

Aquele homem exalava confiança e segurança. Sabia do seu poder e o que estava fazendo. Mas, espantei qualquer pensamento pra não me deixar levar pela carência.

E não tive tanto sucesso quanto queria.

  • Parece que seu destino é aqui.
  • Sim. Obrigada.
  • É… Você veio com uma agência legal, eles fazem bons passeios. Mas, caso queira marcar outras trilhas ou dar um rolê na cidade, pode falar comigo que sou guia também.
  • Legal. Qual seu insta?

Trocamos o @ e juro que eu queria ser menos tímida só para sentir aqueles braços novamente.

Segui o @, mas fiquei receosa de mandar algum direct.

CAPÍTULO 5 – Selton

O Alexandre fala que a prova cabal do interesse é o pensamento insistir mesmo depois do cinco contra um. O “conceito” tem lá seu fundo de verdade.

Percebo que a Ayla me ocorreu algumas vezes no dia, e não eram só o corpo desenhado, a pele quente, os olhos de quem vai acabar comigo. Era cheiro, era sorriso, era a cara envergonhada apertando meu braço mais e com mais intensidade do que precisava.

E percebo também que não só deixei as mensagens da Vina sem resposta até ter paciência pra entrar em conversas que não dão em lugar nenhum. Eu me esqueci completamente dela.

Ok, já é hora de dar um basta nisso. Cogito o textão, o áudio na linha podcast, o ghost – esse me atrai até eu me julgar -, a ligação, uma conversa desgastante pessoalmente, quando o interfone toca. O porteiro pede pra eu ir buscar a encomenda. Já tava mais do que na hora de esses halteres chegarem.

Quando chego à portaria, vejo uma Ayla ofegante arrastando um pacote.

  • Ayla?!
  • Selton?!

A surpresa mútua foi tão cômica que o porteiro disfarçou o riso com uma tosse.

No meu bairro, sério?, Ayla disse entre um sorriso incrédulo. Parece que fizeram uma entrega errada na casa da minha família. Meu primo tem o seu nome. Não poderiam ter muitos por aqui…

Me adianto pra pegar o pacote pesado que ela trouxe, agradeço. Ela fica uns segundos me olhando, como se esperasse que eu falasse alguma coisa, eu tô atônito demais pra isso.

Vizinhos que chegam com malas e crianças saem esbarrando e pedindo passagem de um jeito nada educado, e, na confusão, Ayla acaba dando um tchau meio sem graça e me vira as costas.

Eu deixei ela ir embora. Me repreendo por não a ter chamado pra tomar alguma coisa. Um café, uma cerveja, um banho. Mas o que eu tenho na cabeça?!?!

O porteiro continua rindo, e disfarçando bem mal, da situação. Até ele notou a minha total falta de traquejo pra essas coisas.

Carreguei algumas fotos da trilha nos meus stories e marquei o perfil da agência. Reconsiderei aquela proposta do Alexandre de voltar a dar uma moral por lá, só me dei conta do quanto fez falta depois de ter voltado.

Gostosa, hein, Seltinho, pegou?

Do que você tá falando, Xandão?

Mas ele não me respondeu. Comentei da MILF que tava a perigo e ele acabou desenrolando, se não me engano era hoje a saída deles, então qualquer resposta não viria agora, conheço meu eleitorado.

Pego o celular de volta pra ver se isso me dá uma resposta, se descubro do que Alexandre tá falando. Olho o meu perfil, o da agência, passo os meus stories. Eu. Postei. A. Foto. Da. Ayla. Volto rápido pra apagar, ela já tinha visualizado.

  • Aaaah, foi você?!

A réplica ao storie veio no ato, deu nem tempo de nada.

Não sabia que Ayla tinha notado a foto na hora que fiz. Ela digitou uma risada quando falei que já tava apostando na lenda do poço das moças ser real, e visualizei aquela risada, senti como se ela estivesse do meu lado.

Você tá livre hoje à noite, amanhã de manhã?

Mandei, do nada, mas que se foda. Não ia ficar moscando de novo! Leio a mensagem que acabei de digitar. Merda! Reparo que meio que fiz um convite pra uma trepada madrugada adentro. Procuro como apagar, ela visualiza. Não era isso, é só que são esses meus dois turnos livres essa semana… Mas ela só responde que sim com um emoji, então sigo como se nada tivesse acontecido.

Hoje à noite.

Chego um pouco antes, claro. Me sento na direção da porta.

Ayla entra, e meus olhos são sugados pra ela. Em um vestido que se fosse anos antes teria inspirado o Samuel Rosa pra fazer Garota Nacional. Mas tudo o que senti só de ver aquela mulher me trouxe outra música. Era Jota Pê parecendo ter vasculhado a minha cabeça:

Mulher, por que tu faz assim, tu não tem dó de mim? Achei que fosse lenda isso de amor.

CAPÍTULO 6 – Ayla

Eu estava ansiosa, mas tentei ocupar minha cabeça com várias coisas para não pensar como seria nosso primeiro encontro.

Até ajudei minha mãe na cozinha. Eu na cozinha? Só um milagre bem moreno para fazer isso.

Cozinhei, fiz faxina no meu quarto, cuidei de mim com uma skin care básica e hidratei o cabelo. Tudo para que a hora passasse mais rápido até finalmente chegar a hora do encontro.

Coloquei um vestidinho preto, afinal o preto sempre salva. Deixei meus cabelos soltos, maquiagem básica e estampei um sorriso na cara para disfarçar meu nervosismo.

Assim que cheguei na cafeteria, ele já estava lá sentado e parecia nervoso também já que mexia a perna sem parar.

  • Oi. – eu queria dizer mais e só saiu isso mesmo.
  • Olá. – ele me olhou por completo e parecia gostar do que viu, já que esboçou um sorriso.

Fizemos nosso pedido. Eu pedi um capuccino com torta alemã e ele foi no café espresso e uma porção de pão de queijo.

Ao decorrer da noite, descobrimos poucas afinidades em comum e muitos contrastes. Eu não gosto de café e ele não vive sem. Ele prefere o dia, eu funciono mais a noite. Ele ama esportes e eu sou uma sedentária. Eu amo filmes de comédias românticas e ele prefere séries de suspense. Ele nunca namorou e eu já tive o coração partido por 3 ex namorados.

Entre descobertas e sorrisos, decidimos ir embora e procurar outro lugar mais agitado.

Até que vimos alguém que Selton não gostou muito.

A cara fechada de Selton e o espanto da menina na nossa frente já entregava que eles tinham ou tiveram algo.

Quem sou eu nessa história?

  • Então, foi por essa aí que você me trocou?
  • Vina, não começa. Não agora.

Ela chegou mais perto, me olhou dos pés a cabeça e falou com toda raiva:

  • Saiba que você vai ser a próxima que ele vai enrolar até quando quiser. Vai dizer que não se sente próximo para um próximo relacionamento até achar uma besta que nem eu.

Selton interveio antes que ela fizesse alguma coisa comigo. Eu fiquei toda arrepiada e não podia imaginar que a noite fosse acabar assim.

Saímos dali o mais rápido possível e ele não disse nada durante o caminho na volta. Também, estávamos na sua moto e não era uma boa conversar ali.

Fomos para Orla de Atalaia e sentamos em um dos bancos na região do lago. Não tinha tanto movimento e pudemos conversar com mais sossego.

  • Eu sei que você merece uma explicação.
  • Você nunca namorou e, do nada, aparece aquela lá?

Ele baixou a cabeça como culpa, respirou fundo e disse olhando nos meus olhos.

  • Eu realmente nunca namorei. Mas, já tive muitos rolos por aí. Vina é uma daquelas amigas coloridas. Eu sempre deixei claro que não queria namorar, mas acho que ela tinha esperança.
  • Você sente algo por ela?
  • Não. – ele respondeu imediatamente.

Ficamos calados por um tempo até que ele se desculpou. Me abraçou e eu senti o calor dos seus braços em volta de mim.

Não resisti aquela tentação e tomei a iniciativa do primeiro beijo.

Que beijo! A nossa química foi muito boa e o beijo foi um misto de sensação. Uma mistura de calma com pressa, uma necessidade que nem sabíamos que precisávamos daquele beijo. 

O mundo podia acabar ao nosso redor que a gente se acabaria aquele beijo.

Beijo não. Beijos.

O clima foi esquentando. Entre beijos, carinhos, mordidas e a vontade que só aumentava a cada segundo.

Nos olhamos por um longo minuto e no diálogo silencioso, fomos embora dali direto para a casa dele.

A casa estava um pouco bagunçada, com vários itens de esporte e uma cama enorme nos esperava. E como aproveitamos!

Logo, as roupas estavam no chão, descobrimos os pontos mais sensíveis um do outro, nos provocamos, sentimos a energia e chegamos ao ápice 2 vezes naquela noite.

Ah, como é bom saciar a carência que há tempos eu tinha.

Satisfeitos um com o outro, cochilamos e acordei de madrugada assustada.

Eu não tinha avisado que chegaria tarde em casa e já não sabia se ia embora agora ou esperava amanhecer. O que ele pensaria de mim?

CAPÍTULO 7 – Selton

Depois de uma noite daquelas que não tenho há muito tempo, apaguei. Acordo tateando Ayla na cama, de pau duro procurando ela pra gente continuar, abro o olho sonolento, me adaptando à realidade, quando vejo o vulto igual à assombração parado do lado da minha cama.

  • Vina?!

Desperto no ato com essa imagem, meu pau amolece de um jeito que penso que vai invaginar. Eu nem bebi, dormi com a Vina e achei que era a Ayla?! Não é possível. Nos segundos que meu cérebro se esforça pra concatenar o que tá acontecendo, lembro que em uma empolgação de bebedeira deixei a chave dos fundos com a Vina.

  • Caralho, Vina e Ayla aqui em casa? Abaixo o rosto pra pensar, mas Vina se adianta e me tasca um tapa na cara.
  • Vina, se controla. Você tá na minha casa sem ser chamada. (Ela se senta na cama, eu ainda tô um tanto entregue a Morfeu.) Selton, o que foi isso? A gente não tava caminhando pra uma relação?
  • Ah, caralho, eu sempre te disse que não. Não é assim pra mim.
  • Mas por que você olha diferente pra ela?
  • Quê?! Vina… Vina, você invade a minha casa… aliás, deixa a chave aqui… Você invade a minha casa no meio da madrugada e quer me cobrar alguma coisa?!
  • Por que não terminou comigo?
  • Porque não tinha o que terminar. E eu. (Respiro fundo, me sentindo pela primeira vez, desde essa insanidade da aparição da Vina, acordado de verdade.) Eu esqueci. É canalha, mas é a verdade. Eu… eu esqueci. Eu conheci a… essa mulher e. Você só tava saindo comigo?
  • Não, mas você era a prioridade. E qualquer coisa diferente eu teria te falado. Eu gosto de você, você podia ter valorizado isso e me avisado, eu esperava isso. (Vina deixa a chave na minha cama e se levanta.) Desculpa a reação exagerada na cafeteria. Eu nem sei porque eu tô aqui.

Ela vai saindo pela porta, e, de impulso, num total rompante que eu nem sei explicar, puxo Vina pelo braço e beijo ela na boca. Ela corresponde com uma intensidade que nunca tinha feito antes. Me beija de olho aberto, olhando no meu olho, língua dentro da minha boca, me abraçando, montando em mim.

Viro ela na cama, eu por cima dela, e faço a última coisa que deveria.

Amanhece, sinto o cheiro da nuca e do cabelo suado da Vina embolados em mim, eu tô de conchinha com ela. Não, eu não bebi, mas a sensação de ressaca que sinto é pior do que se tivesse. Me assusto com os flashes da noite voltando e formando as memórias, mas a sensação me deixa estagnado na cama. Ayla tá aqui? Ela viu alguma coisa? Ela foi embora do nada?

Enquanto procuro as respostas que não vêm, Vina se vira, se aconchegando em mim, gemendo qualquer coisa indiscernível, procurando meu pau. Afasto. Digo que preciso ir ao banheiro, meia verdade. Eu não posso fazer isso de novo. Ou posso, não sei.

Tomo uma ducha pra evitar o confronto, mas ela me vem nua em pelo, se insinuando, com o cabelo amassado de dia seguinte e a cara de tesão entregue, meio puta meio santa. Entra no box, passando a mão em mim, roçando os peitos nas minhas costas, bico eriçado. Me dá um arrepio.

Esqueço conjecturas sobre certo e errado. Ou ela me faz esquecer. Por que de repente o beijo, o toque, a química, tudo ficou mais forte? 

Não entendi por que Ayla foi embora. Primeiro pensei que Vina tivesse expulsado ou qualquer coisa do gênero. Mas não, foi antes. Quando Vina chegou, ela já não estava. O fofoqueiro do porteiro avisou que “a moça que subiu com ele já foi tem tempo”.

Preparo o café forte, sem açúcar, às 16h, a hora que tô acordando de verdade depois da jornada dupla da madrugada/manhã, conferindo quais compromissos furei, quais trabalhos atrasei.

Por sorte do destino, ou pelo que o valha, o cliente que eu daria personal adiou pra noite.

Escrevo pra Ayla perguntando o que houve, por que foi embora do nada. No mesmo segundo, vem uma notificação de Vina: Eu não vou desistir de nós dois, Selton. Não consigo acreditar que é isso que você quer.

A encruzilhada que sinto no peito quase se materializa na minha frente. E tô de moto e sem freio. No limbo de uma reflexão que é ao mesmo tempo mente vazia, Ayla me manda um áudio.

CAPÍTULO 8 – Ayla

Áudio escutado, mas sem resposta.

Ocupo meu dia com o trabalho para esquecer do final de semana. À noite, vou dar uma volta no Shopping com minha amiga Magali para tentar me distrair.

Magali ainda estava sem acreditar que Selton não tinha respondido meu áudio.

  • Isso que dá voltar a acreditar em homem. – falei sem querer.

Mas, já não sei se era atração, carência ou criei expectativas demais. O encontro tinha sido bom e matei minha vontade que há tempos estava acumulado. Apesar daquela mulher ter aparecido, ele pareceu estar de boa.

  • Você ainda está de home office, mas aqui não é? – Faço que sim com a cabeça e ela continua. – Então, encara com um casinho bobo. Já, já você volta para SP e tá tudo certo.

É isso. Eu ainda queria continuar na empresa, mas sentia falta da minha terra. Mesmo com o aumento da produtividade no período de home office, não sei até quando a empresa vai ficar nessa.

São tantas dúvidas em minha vida que prefiro me ocupar em saber as novidades da vida de Magali.

Ela me conta que está terminando o mestrado, sua insegurança em relação ao mercado de trabalho, mas a vida pessoal vai bem. Seu namorado, Marcos, já propôs para eles morarem juntos e eles estão planejando esses próximos passos.

Fico feliz em ver minha amiga bem, até esqueci o celular. Mas, a notificação que eu esperei o dia todo chegou…

Selton tinha pedido desculpas pela demora, que estaria ocupado por esses dias, mas queria se redimir.

Fui tola em abrir a mensagem logo e mostrar o tique azul. Mas, não respondi. Me contive e só enviei minha resposta no outro dia.

“A gente vê então.”

Se ele queria fazer joguinhos, eu também sabia jogar. Não posso me deixar levar pela carência. Por mais que eu gostasse de estar naqueles braços musculosos, sentir aquela língua em meu corpo e me entregar por completa, eu tinha que me controlar.

Selton é um solteiro convicto, com seus casinhos por aí e não vou disputar pelo amor de ninguém.

A vida tem que seguir seu fluxo e preciso pensar mais em mim.

Até eu lembrar que moramos no mesmo bairro.

Encontro Selton por acaso numa quarta-feira. Eu voltando da padaria e ele andando de bike. Esportista que ele é e eu comilona que sou. 

  • Qual vai ser minha recompensa pós-treino? – ele esboça um sorriso e eu não resisto.
  • Pão jacó com manteiga e café. Serve?
  • Serve até demais. E como está sendo sua semana?
  • Cheia de tarefas, mas é bom estar em casa.

Ele se aproxima como se fosse me beijar, mas pergunta sério:

  • Por que você sumiu lá de casa? Eu fui tão ruim assim?
  • Não, não. – me apresso em dizer. – Pode parecer besteira, mas eu não tinha avisado aos meus pais que ia dormir fora, então preferi não arriscar.

Ele parece surpreso com a resposta, mas parece aceitar. Já que estou com o café da noite, ele me chama para ir no apartamento dele e comermos juntos.

Claro que eu aceito.

É fácil jogar atrás de uma tela do celular. Mas, pessoalmente é muito difícil.

Enquanto ele toma banho, arrumo a mesa. Foi quando vi uma mensagem aparecer no celular dele e congelo.

Como assim a Vina ainda está com ele? O que estou fazendo aqui mesmo?

CAPÍTULO 9 – Selton

Saio de toalha do banho, abraçando Ayla por trás. Ela pareceu retesada, mas amoleceu quando a segurei. Se vira pra mim e me tasca um beijão na boca, que me dá até vertigem.

Jogo ela na mesa, ela me arranha, enlaçando as pernas nas minhas costas, me puxando pra dentro dela. Seguro Ayla pelo pescoço e a beijo, sentindo ela me apertar e fazer o que quer comigo.

Olho pra Ayla, estamos na cama, nem sei como viemos parar aqui, perdi o meio do caminho, tão concentrado no tesão que eu estava. Acaricio o rosto dela, olhando nos olhos, quando a expressão fechada que ela faz me tira desse transe.

  • Eu vi uma mensagem da Vina no teu celular.
  • Ela vem pegar umas coisas dela amanhã. – Dou a satisfação de forma automática, mas em seguida me vêm os fatos: Que porra?! Ela mexeu no meu celular?!
  • Você ainda tá com ela, Selton?
  • Você tá com ciúme de mim?

Inesperado ver a Ayla desse jeito, ela não fala mais nada, só me encara.

  • Carona? (Ayla parece surpresa, então refaço a pergunta.) Você quer carona? Você não tem que dormir em casa?

Ela gagueja alguma coisa que não entendo e no final diz que sim.

  • Eu vou atender a um cliente, mas não demoro, se você quiser ficar e me esperar…
  • Cliente às onze horas?
  • Ayla… você acha que eu tô mentindo?
  • Só achei curioso, melhor irmos logo, Ayla fala me cortando.

Ela pega a bolsa rápido, abre a porta do apartamento e me espera no corredor. Coço a cabeça bufando, mas não falo nada.

  • Eu encosto em você e parece que eu tô em casa.
  • Você tá na sua casa, Selton – Vina debocha, típico.
  • Sabia que você ia falar isso! – implico de volta mordendo o ombro dela. –
  • Eu tô falando sério. A nossa química…
  • É, eu sei.
  • Vina se levanta, me entrega uma garrafa de água e vai catar as coisas dela que ainda estão aqui.

Tenho vontade de perguntar alguma coisa, qualquer coisa, mas nem sei o quê, então só observo Vina em seus óculos e cara de concentrada.

Pego o celular, Ayla postou um storie, uma Marisa Monte rebelde cantando Roberto Carlos: “Não quero mais teu amor, não pense que eu sou ruim, vou procurar outro alguém, você não serve pra mim”.

Se a indireta é pra mim, vou fazer o Skinner: reajo com um emoji de susto/surpresa. Reforço positivo dado com sucesso.

Nas últimas semanas parece que fiz escala pra encontrar a Vina e a Ayla.

  • Você é meu orgulho – diz Alexandre rindo. – E hoje é dia de qual?

Ayla mandou mensagem perguntando o que eu ia fazer.

  • E por que você não tá lá?
  • Porque eu tô aqui.
  • Hmm… eu tô mais atraente que ela?!
  • Ah, esses seus músculos… – Alexandre ri. – Sério, preciso descansar. Hoje é dia de nenhuma. (Vejo a expressão do Alexandre mudar, cumprimentando alguém atrás de mim.) Só não me diz que é ela.

Ele dá de ombros, quando ela me beija no rosto e só o cheiro dela dá efeito. Mas não é a Ayla.

  • Vina, quanto tempo! Como estão as coisas? – Alexandre pergunta enchendo um copo pra ela, dou um olhar de reprovação pra ele não fazer isso, mas ele parece se divertir com a minha reação.
  • Obrigada, mas não vou ficar.
  • Ih, sábado à noite… já trocou o Seltinho?

Dou aquele olhar fulminante e Xandão abre mais ainda o sorriso, adorando a situação.

  • Quem sabe?! – Vina responde, dá um beijo no rosto do Alexandre e sai levando o copo.
  • Vina, o copo?! – digo, conseguindo abrir a boca pela primeira vez desde que ela chegou.
  • Gosto de lembranças indevidas – ela fala dando uma piscadinha e sai rebolando naquela calça mais justa que Deus, cabelão preto balançando no mesmo ritmo.
  • Eu no teu lugar ia estar dando graças a Deus com essas duas.

Talvez Alexandre esteja certo, bebo a cerveja, engolindo junto a seriedade que me resta.

Eu não tava com a mínima paciência pra Vina em cima de cobrança, querendo forçar relação de todo jeito. Mas foi só encostar nela de novo que… me deu até um alívio.

  • Sei bem que você se aliviou, Seltinho.
  • Eu tô falando sério, você nunca sentiu isso com ninguém?
  • Se não sentisse não tava até hoje comendo a Teka, 4 anos depois do término. (Ele levanta o copo brindando, sinto que minha cara de janela de ônibus não se desfez.) Você se preocupa muito em encaixar tudo, ter tudo controlado. Seltinho, na vida a gente não entende nada, já diz o
  • Tremendão.
  • Tremendão?
  • Erasmo Carlos, seu sem cultura. Depois te mando a música.

Tim-tim, devolvo o brinde, entendendo, de fato, cada vez menos.

CAPÍTULO 10 – Ayla

Eu não sei até quando aguentaria o jogo de Selton. Aquele ficante disponível, que poderia virar um relacionamento mais sério e… que poderia também não dar em nada.

Ah, como eu queria que o coração fosse menos complicado!

Não sei se era algo mais que atração e nem sei até onde eu estaria disposta a ir com esse joguinho.

Na verdade, nunca gostei de joguinhos. Mas, não aperte o play.

Eu ainda tinha 2 meses até a empresa decidir se continuaria com o home office ou não. O lado bom de estar com meus pais, da comida boa e das conversas, era ter a vista da natureza na janela do meu quarto.

Além disso, Aracaju tudo é perto, então facilita para resolver as coisas. Uma capital pequena o que significa que a chance de encontrar algum conhecido é grande. Foi em uma dessas saídas que encontrei o Carlos. Meu ex namorado e que estava um gato por sinal.

Eu fiquei surpresa por vê-lo ainda mais bonito. Será que eu estava tão carente assim ou ele realmente estava gato.

Nosso término foi tranquilo e não houve briga nem nada. Terminamos porque eu aceitei a proposta de emprego e me mudei para São Paulo.
Eu não saberia lidar com um relacionamento a distância. Imatura? Talvez. Insegura? Com certeza.

Ah, mas aquele sorriso continua o mesmo e nossos olhos não esconderam a alegria desse reencontro.

  • Ayla?! – Confirmo com a cabeça e ele me puxa para um abraço. – Quanto tempo! Como você está?
  • Estou bem e você?
  • Feliz em te ver. Tá de férias por aqui ou voltou para ficar?
  • Vim passar um tempo por aqui.

Logo, ele me convida para lanchar ali mesmo no shopping. Eu aceito. Nossa conversa rende que nem percebo a hora passar.

Ele me conta que mudou para um emprego melhor, largou os freelas, se apaixonou pelo crossfit, começou a estudar italiano e… que está solteiro!

A última informação foi importante. Conto também que estou solteira. Afinal, meu lance com Selton não chega a ser um relacionamento né?!

Eu e Carlos tínhamos tudo para dar certo. Nossa amizade era incrível, nossa parceria era para tudo e nossa química nem se fala.

Nos afastamos por conta da distância e porque, eu sei, que machuquei os sentimentos de Carlos. Ele não queria o fim, mas eu sabia que a distância nos afetaria e preferi seguir nossas vidas separadas.

Apesar da conversa render várias horas, chega aquele momento do silêncio… Aquele momento que precede o beijo e confesso que não resisti.

Nos beijamos e não sei quais sentimentos ainda existiam entre a gente, mas senti aquela sensação de casa. Meu corpo nunca esqueceu os detalhes de Carlos. Aquelas mãos em meu corpo acendiam cada partícula do meu ser.

Não precisamos falar nada, apenas saímos de lá e fomos para seu apartamento. Ele tinha se mudado pouco tempo depois que a gente terminou. Segundo ele, foi preciso encarar a nova fase que estaria sozinho a partir daquele dia.

Nos entregamos ao que estávamos acostumados e foi tão bom estar com alguém que me trazia paz e não ansiedade como Selton me trazia.

Por falar nele, percebo que tinha uma mensagem dele: “Saudades. Será que tem espaço na sua agenda para a gente se ver?”

CAPÍTULO 11 – Selton

Alexandre me indicou para assumir uma academia, coisa que eu também não fazia há um bom tempo. Mas nunca fui de recusar trabalho e se tem uma coisa que a academia tem é história.

Quem é frequentador assíduo sabe que toda sorte de situação inusitada acontece, das “videocassetadas” às pessoas que só vão pra social até as atividades “paralelas”, digamos assim, nos banheiros.

Mas hoje até agora tudo parece calmo, conversei com alguns alunos, uma fofoca sobre quem come quem, mas nada demais.

Um aluno empolgado me para pra perguntar sobre grupos musculares, e eu adoro a minha área, então é um prazer explicar.

Me distraio pensando em CORE e oblíquos, quando um vulto chama minha atenção. Ayla?! Pisco pra confirmar se é isso mesmo, perco a fala.

Ela vem na minha direção. Como adivinhou que eu tava dando aula aqui? Comecei essa semana e nós nem…

Então ela chega bem perto. Mas sequer olha pra mim. Ela abraça o cara do meu lado. E beija. Ele. Na boca.

Fecho a cara pra fingir o máximo de indiferença possível, mas não me admiro se eu tiver até babado um pouco. O que sinto é um aperto inesperado no peito, como se me retorcesse. Dou um aceno de cabeça pros dois quando ela finalmente vem me cumprimentar e vou pro vestiário, jogo uma água no rosto.

No celular, Vina questiona qualquer coisa sobre eu estar ocupado e “a mulher da lenda”. Talvez Vina esteja certa sobre essa história toda de eu olhar diferente pra Ayla. Mas e aí, o que isso quer dizer?

Algum cirandeiro trocou o trance que coloquei pra tocar pra um mpb contemporâneo desses que não costumo ouvir, mas que me atinge certeiro:

Faltou coragem pra olhar, pois tudo lá é seu, me faz lembrar você, não sei onde isso vai dar.

Respondo a mensagem de Vina, só a parte que interessa, que ela pode passar aqui em casa, já cheguei da academia. Academia não, aliás, box de crossfit, a coisa é mais pesada do que eu esperava, mas tá fluindo. Vou tomar um banho enquanto isso.

  • Vina, por que você tá se arrumando pra ir embora? Você mal chegou… Isso acontece, eu só tô com muita coisa na cabeça, hoje o dia foi cheio. Daqui a pouco eu…
  • Não dá pra esperar muito, Seltinho, tenho compromisso.

Vina me dá um beijo no rosto, se arrumando mais do que faz normalmente, retoca rápido a maquiagem no espelho da sala. Compromisso?! Ela marcou comigo e com outro no mesmo dia?! Sendo que eu nem consegui… Ah, mas eu só me lasco!

Ayla tinha me dito que seu período de home office ainda não estava bem definido, e agora faltavam algumas semanas para a empresa decidir se ela precisaria voltar para São Paulo, aquela cidade que detesto, diga-se de passagem.

Liguei – é, liguei, essa raridade nos nossos tempos -, mandei mensagem, mas se ela não responde também não tenho por que insistir.

Quanto tempo faz? Um mês? Eu não sei, mas passou um hiato que nem na rua cruzei com ela.

Sento no bar pra tomar uma antes de encarar a trilha da Serra de Itabaiana de hoje, quando o pensamento nela parece tê-la conjurado.

Cabelo preso de lado e o mesmo vestido preto que usou na primeira vez que saímos. Ele me traz flashes daquela noite. A pele de Ayla, eu puxando o vestido, ele nas minhas mãos, na minha cama, no chão do meu quarto. E chego a sentir uma vertigem, até confiro quanto bebi da garrafa.

Não, eu não falo com ela, claro que não. Nem sei se tenho o que falar depois dessas semanas de silêncio.

Como sempre, a música que toca vasculhou minha mente, me leu e quis me estapear mexendo na ferida. Dinho Ouro Preto não perdoa, me comprimindo ainda mais o peito:

Tudo que vai deixa o gosto, deixa as fotos.

No meu caso, a foto. Aquela bendita foto da Ayla de maiô no poço das moças.

CAPÍTULO 12 -Ayla

O reencontro com Carlos nos fez relembrar como éramos bons amigos e bons amantes, claro. A conversa fluía bem e não tinha aquele silêncio que deixa o clima um pouco tenso. Era natural.

Mesmo que nós dois tivéssemos passado por muitas coisas, o tempo ajudou a nos deixar mais maduros com a experiência que ganhamos. Meus pais estavam até animados com essa possível reconciliação, mas eu avisei para não criar nenhuma expectativa.

Durante o dia, eu me dedicava ao trabalho. À noite, Carlos sempre tinha alguma ideia para a gente fazer juntos. Fosse assistir um filme, passear na Orla ou simplesmente ficarmos juntinhos. Eu aceitava todos os convites, claro.

Menos na última quinta-feira, onde fui para casa de Magali. Ela estava louca para saber sobre os acontecimentos da minha vida amorosa. Digna de seriado clichê americano, segundo ela.

Você não falou mais com Selton desde que se reencontrou com Carlos?

As conversas esfriaram um pouco. Culpa minha mesmo. Eu só tenho reagido aos Stories dele e recusei alguns convites. Sei lá. As coisas são mais naturais com Carlos.

  • O que você chama de natural, eu chamo de zona de conforto.

Olho de lado para Magali, que dá de ombros.

O meu namoro com Carlos acabou mesmo por conta da minha mudança, mas será que foi isso mesmo? Não lembro muito dos últimos meses, mas sei que não tinha mais aquela sensação de borboletas no estômago ou vontade de ficar sempre junto.

Será que eu me apeguei somente às boas lembranças e esqueci do lado ruim? Culpa do nosso cérebro que acha que o passado é legal.

Ainda não sei as respostas que Magali me fez pensar nessa noite, mas decidi que vou aproveitar o momento.

Meu medo é não saber o que decidir quando a empresa me chamar de volta. Vou perder esses dois amores e ficar sozinha? Será que terei tanta sorte em São Paulo e ter uma nova paixão? Será que eu quero alguém novo ou um dos dois?

Eu simplesmente não sei.

Decidi voltar para casa a pé já que Magali mora perto da casa dos meus pais. Talvez andar ajudasse a colocar meus pensamentos no lugar.

Talvez não. Já que a poucos metros do condomínio, vejo Selton parado. Ele olha fixamente para meu prédio como se estivesse na dúvida do que fazer.

  • Selton?! -eu o chamo e ele olha assustado.
  • Oi, Ayla. Eu tava querendo falar com você, mas não sei se devia… –  ele coça a cabeça como se estivesse confuso.
  • E do que queria falar?
  • Da gente!

Ele responde na lata e é a minha vez de ser pega de surpresa. Ele sempre deixou claro que não queria um relacionamento sério ou algo do tipo. Então, o que seria ‘a gente’?

Ao ver minha expressão confusa, ele me chama para sentar no banco da praça e quando pareço calma, ele solta:

  • Eu sinto sua falta e não sei o que tá acontecendo comigo.
  • Mas, você tem a Vina para te consolar.

Ele fica surpreso com minha reação, mas devolve:

  • E você tem outro cara. 
  • E o que tem a gente?
  • Que eu prefiro a gente do que qualquer outra coisa. Eu prefiro você comigo e eu com você do que outras pessoas envolvidas.
  • Quem é você? O que fizeram com você? – falo na tentativa de quebrar um pouco o clima porque ele realmente parecia desesperado.

Meu coração parecia que ia sair pela boca, mas tento me controlar. Se envolver com Selton é quase ter a certeza que meu coração será partido algumas vezes e não sei até onde aguentaria.

Como se lesse meus pensamentos, ele segura minha mão e fala:

  • Ayla, vamos dar uma chance para nós dois. De verdade!

CAPÍTULO 13 – Selton

E pouco a pouco vai perdendo o medo de se ver do avesso por saber amar.

Ouço “Beija-flor”, sentindo os cabelos de Ayla entre os dedos. A paz que eu sinto com ela dormindo abraçada comigo é indescritível. Nunca senti nada nem parecido.

Bom dia, gostoso, ela fala com a voz embargada se aninhando mais em mim, sonolenta.

  • Gostei de dormir com você.

Ela sorri, faz carinho no meu rosto e volta a dormir.

Olho Ayla entregue nos meus braços e penso no quanto a gente resiste por pouco, sem motivo. Que as coisas podem ser fáceis, mas a gente é que não deixa, complica demais. Fugindo, mentindo, evitando, preferindo pensar que não vai dar certo, arranjando motivo que justifique a superficialidade.

Medo. Mas não existe amor sem medo, quem disse isso foi Djavan, e penso no quanto as músicas passam a fazer sentido quando a gente se permite.

Viver precisa de coragem, mas o comodismo do dia a dia faz a gente se cegar pra essa realidade. Amar impossibilita qualquer cegueira. Amar não deixa espaço pra mais nada. E eu tô feliz de ter percebido isso com ela.

Beijo a testa da Ayla e me desvencilho devagar dela pra preparar um café da manhã do jeito que já sei que ela adora. Pão jacó, agora não vai mais faltar desse aqui em casa.

  • Como você não percebeu que não era labirintite, ataque cardíaco, mas que você só tava apaixonado?, Alexandre fala debochando da minha confusão.
  • Não sei, eu só não percebi, eu…
  • Seltinho… Você nunca tinha se apaixonado?
  • É, acho que não. Quer dizer, com certeza não.
  • Um brinde a essa mulher que conseguiu esse feito! Ayla tem meu respeito.
  • Um brinde! (Viro o restinho da cerveja no copo e jogo uma nota de vinte na mesa.) Tenho que ir, a Ayla vai passar lá em casa daqui a pouco.
  • Agora virou homem de família de vez, gostei. Manda um beijo pra patroa, Seltinho!

Me despeço e saio rindo, só Alexandre mesmo! Na portaria, maquiagem toda borrada, descabelada, saltos na mão, Vina me espera.

  • Vina?!
  • Selton, a gente conversou, mas não dá pra ser assim.
  • Você não me disse que tava com outro e que nem pensava mais em me ver, que eu não precisava ter me preocupado em te procurar pra pôr um ponto-final?!
  • A verdade é que eu não consigo parar de pensar em você um minuto. Não tem outro cara, não tem ninguém, só tem você, vamos dar uma chance pra gente, eu sei que a gente pode ser feliz junto.

Fico atônito com a diarreia verbal da Vina, completamente inesperada depois do que considerei nosso “término amigável”, e percebo que ela tá MUITO bêbada, o hálito dela me embriaga.

Fico sem conseguir reagir àquela cena, ela se adianta e me beija na boca. Não correspondo, arregalo os olhos e tento me livrar dela, ela me aperta. Quando finalmente consigo me soltar, meus olhos batem direto nos olhos de Ayla, me encarando do outro lado da rua.

  • Ayla!, grito, Vina se vira, mas Ayla só balança a cabeça e vai embora como um raio. Tenho um ímpeto de ir atrás, mas Vina se segura em mim e desaba.

Vina?!

Ela murmura qualquer coisa caída nos meus braços. Não posso deixar ela assim, aqui, sozinha desse jeito… Porra! Subo com ela mal se sustentando em pé e vou dar um jeito na bebedeira dela, banho, água, açúcar… Procuro o celular pra pelo menos mandar uma mensagem explicando o que aconteceu pra Ayla, quando vejo que ela me bloqueou.

Ayla ignorou todas as minhas tentativas de contato e, caralho, eu não fiz nada! Ela não pode nem me ouvir? Cheguei ao cúmulo de pensar em falar com o cara do crossfit, mas me senti um babaca. Então faço uma última tentativa de explicar. Chego na casa dela, encontro ela na porta.

  • Selton?! O que você tá fazendo aqui?! (Ela tá totalmente irritada, mas tive a impressão de que por um segundo ela desmontou quando me viu.)
  • Espera, Ayla. Não é o que você tá pensando.
  • Ah, Selton?! Esse clichê pra cima de mim? Não acredito que te levei a sério.
  • Ayla, eu não tô agindo de forma superficial com você, como sempre fiz com as outras, a gente não precisa disso.
  • Não importa, Selton.
  • A Vina queria me convencer…
  • Selton, eu sei muito bem o que eu vi. (Ayla me olhou no fundo dos olhos, e aquele olhar tão cheio de muros e decidido me rasgou por inteiro.) Eu tô atrasada.
  • Que mala é essa?! O que tá acontecendo, Ayla?
  • Eu tô voltando pra São Paulo.
  • Quê?! Mas você não ia ficar?
  • Quando eu disse que ia sair, eles me ofereceram uma promoção e… na hora eu neguei, mas… Selton, eu amo esse lugar, é a minha terra, mas a minha vida não é mais aqui. (Então ela fica muito mais séria, me cravando os olhos na alma.) E não tem nada que me prenda e me faça ficar.

Eu não era nada que a prenderia, que a faria ficar. Claro, e ainda fui idiota de por um momento fazer planos com ela.

Olho essa cena, ela indo embora sem nem ter falado comigo. Se eu não tivesse vindo até aqui, na casa dela, ela nem teria me avisado, é isso? Eu não acredito que achei que as coisas seriam diferentes, que valeria a pena agir de outra forma, eu…

Olho pra ela, não tenho o que argumentar, não tenho o que me “justificar”. Eu não fiz nada. Devolvo o olhar cortante, na mesma medida.

  • Boa viagem, Ayla, seja feliz.

E viro as costas.

CAPÍTULO 14 – Ayla

A viagem pareceu uma eternidade. Foram 2 conexões até chegar em São Paulo, mas a mente não parava de pensar na confusão que eu tinha me metido.

Em menos de 24 horas, eu namorei e fiquei solteira. Como pude me deixar levar por tão poucas promessas?

Às vezes, a gente até quer acreditar nas palavras que são ditas. Mas, são as atitudes que mostram quem realmente as pessoas são.

Após aquela Selton ter ido embora, eu me despedi de Carlos. Ele não tinha culpa de absolutamente nada e ele entendeu. Foi uma despedida tranquila e nos tornamos aqueles 2 amigos com afeto que um sempre estará ali pelo outro.

Pode ser egoísmo da minha parte, mas fico feliz em deixar Carlos na minha vida, de algum modo.

Como cheguei no sábado, volto a trabalhar somente na segunda. Ou seja, ainda tenho esse final de semana para ocupar meus pensamentos e não queria dar espaço para Selton.

Me ocupei em arrumar tudo no meu apê. Voltei para o mesmo lugar já que a dona não tinha encontrado outro inquilino e estava feliz com meus 43m² num ambiente sala-quarto-cozinha-banheiro. Sem muito trabalho para arrumar e pouca bagunça, o que facilita meu dia a dia.

Já minha mente estava uma bagunça que só…

A principal diferença de voltar a trabalhar presencialmente é que a demanda parece ser maior, mas o contato com as outras pessoas deixa até o dia mais leve. Eu não tinha feito amigas, apenas bons colegas. Tínhamos bons contatos no trabalho e saímos, vez ou outra, para algum happy hour. 

Se eu matasse alguém, não ligaria para nenhum deles, entende? Eram boas companhias, mas sem muita intimidade.

Por conta da promoção, minha responsabilidade aumentou e a demanda também. Mal dava para pensar em problemas pessoais. Nem durante o caminho, pois gastava uma hora entre meu apê e o trabalho.

O problema era antes de dormir. A insônia era minha companhia junto com tudo que vivi nos últimos meses em Aracaju.

Eu não queria sair com ninguém por agora. Esse era um tempo para mim e preferi focar no trabalho, sempre que minha mente deixava, claro.

A gente se acostuma com a presença e com a ausência também. Foi uma das primeiras coisas que aprendi quando me mudei para São Paulo. A saudade faz parte, mas nada melhor do que certas mudanças.

Duas semanas se passaram e estava tudo tranquilo. Até que recebi um buquê de rosas no trabalho. Todos ficaram curiosos, eu fiquei vermelha, claro.

A mensagem do cartão dizia “Como diz aquele ditado: Se a montanha não vai a Maomé, vai Maomé à montanha. Então, não há trilha mais difícil que reconquistar seu coração.” 

Nenhuma assinatura. Fiquei curiosa e não fazia a mínima ideia de quem enviou. Será que tenho um admirador secreto no trabalho?

Pouco antes de sair para almoçar, recebi um pedido que foi feito especialmente para mim. Era uma quentinha com arroz branco, feijão tropeiro, vinagrete e carne de sol. Um dos meus pratos preferidos de Aracaju, mas como alguém poderia saber disso?

Fiquei a tarde observando meus colegas para saber quem poderia ser meu admirador secreto, mas não encontrei alguém tão suspeito assim.

Saí um pouco mais tarde do que meu horário e na frente do trabalho, alguém segurava um urso enorme, alguns balões no formato de coração e uma cesta de comida.

Fiquei em choque quando vi que era ele quem estava ali.

  • Selton, o que você faz aqui?
  • Fiz a trilha mais longa da minha vida. Estou numa cidade que não gosto, morrendo de frio, sentindo falta da natureza e da praia… Eu juro que estou tentando ser romântico e aqueles filmes de comédia romântica não me ajudaram muito, por isso juntei quase todos os clichês.
  • Você é maluco!
  • Toda essa loucura para saber se você aceita jantar comigo para gente conversar.

CAPÍTULO 15 – Selton

Olho a Paulista da varanda extravagante do hotel. Longe de casa, bebo o café puro, livre de distrações – da vodka costumeira, principalmente. A reflexão, tão enraizada que está, já não é uma distração, nem ela.

18h21 marca o relógio da Paulista. Lá embaixo, tudo parece acontecer ao mesmo tempo. A ebulição da própria vida.

Vim a São Paulo para um Congresso a que desisti de ir, com uma certificação a mais no final. A quem eu queria enganar? Não era o Congresso. Era a mulher.

Não precisava ter visto a Ayla atravessando a rua, bem aqui embaixo, exatamente no dia em que cheguei, distraída, acelerada, falando sozinha de um jeito tão chamativo que me fez rir.

E perceber o meu riso, de aprovação, admiração e entrega, me estapeou com o óbvio.

Ayla e eu tivemos pouco tempo em Aracaju, foram semanas conturbadas. Mas o que eu fiz até agora com todo o tempo que tive para conhecer algumas mulheres, se no final eu nunca senti nada além de um apreço pela companhia, um afeto superficial, um tesão mais direcionado?

É fácil dar nome às coisas. Difícil é se apropriar delas, principalmente quando elas já se apropriaram da gente.

Então eu vi. Vi essa sonhadora que a Ayla esconde. Vi que esses filmes que ela gosta não geram tanto entretenimento, mas espelhamento. Se é isso que para ela significa a minha presença, que seja, eu compro.

E, depois de ter bancado o galanteador de comédia romântica e daquela nossa conversa de ontem, posso dizer que funcionou, no sentido mais cristalizado da palavra.

Hoje é a vez dela de bancar a guia turística. Lá vamos nós.

Escolhi me abrir para São Paulo. Já estou aqui, afinal. E não posso negar que os parques da “selva de pedra” têm seu apelo.

Ayla me trouxe para fazer uma trilha no Núcleo das Águas Claras, na Serra da Cantareira. Ela quer ir até o Lago das Carpas.

Está perto do horário de fechamento e só estamos nós dois na trilha. O Sol deu uma aliviada, e bate um vento fresco.

Ayla vai andando na minha frente, a calça marcando no corpo e o movimento dos quadris na subida íngreme me fazem um convite.

Me aproximo e seguro ela por trás. No meu afã, ela bambeia e se escora no meu peito, pesando em mim.

  • Você é louco?!, Ayla fala sem se esquivar; pelo contrário, pressiona o corpo contra o meu, como se procurando – e encontrando -, e afundo o rosto nos cabelos dela. Sinto o cheiro dela mudar no mesmo segundo.
  • É por isso que você gosta. Vem cá.

Ela me puxa para uma parte mais na frente da trilha, dentro do mato, e se apoia em uma pedra, os olhos – entre promessa e súplica – cravados nos meus.

Seguro Ayla pela nuca e, no instante seguinte, já não existe mais nada em volta.

Apesar de detestar São Paulo, mal senti a semana passar. Depois da Serra da Cantareira, Ayla e eu ficamos juntos todos os dias.

Até hoje.

Sinto o cheiro dela nos meus braços, no aeroporto. Preciso ir. Despedidas que não são nem “até logo” nem desfechos de fato são as do tipo mais amargo. E as que mais dilaceram nos dias que se seguem.

Me despeço e deixo um embrulho com ela. 

  • Só abre em casa, temos um trato?

Ela meneia a cabeça concordando. Viro as costas. Dessa vez, só no sentido literal.

CAPÍTULO 16 – Ayla

Curiosidade a mil, mas só abri o presente em casa. Era uma caixa de chocolate onde cada um tinha uma letra, juntos formavam: “eu te amo”. Acompanhado da foto que ele tirou da trilha onde nos conhecemos. Que foto! 

Ainda tinha um cartão do lado.

Você já me ensinou tanta coisa e amar foi a melhor lição de todas. Que um dia essa distância seja curta e eu possa te ter todas as noites. Te amo!

Esperei para ligar a noite, pois ele já estaria em casa.

  • Eu também te amo.
  • Eu sabia que você me ama.
  • Sabia nada.
  • Mas, eu acho que amei você primeiro mesmo sem querer.
  • Eu detesto sentir saudades.
  • Eu também.

Ficamos em um relacionamento a distância por quase um ano. Foram várias milhas em aviões, mas aproveitamos todo o tempo juntos. Cada segundo importa.

Feriados prolongados, férias, folgas e qualquer tempo livre era motivo para a gente se ver. Muito planejamento, surpresas e coração preenchido a cada encontro.

Alguns episódios cômicos e desastrosos. Como na vez que meus pais chegaram em casa enquanto a gente estava no sofá, por sorte não foi nada demais. Meus pais adoravam o Selton e ele foi o filho que eles não tiveram. Eles almoçavam juntos uma vez por semana, mesmo sem minha presença.

Magali gostou muito e eles logo se deram bem quando ficaram falando por horas sobre Star Wars. Um universo que eu não entendia absolutamente nada. Quem não gostou foi Carlos, até aceitar que nossa história foi linda, mas ficou no passado.

Selton estava cada vez mais envolvido na minha vida e eu na dele. Eu me sentia perfeitamente em duas casas. Na minha, em São Paulo. No apartamento dele, em Aracaju.

Mas, a distância me matava a cada despedida.

A empresa me ofereceu uma nova promoção, mas eu fiz uma exigência. Eu queria estar com minha vida pessoal e profissional completa, apesar de saber que a vida adulta é mais complicada.

Então, fiz a proposta e aguardei por uma semana até que tive a resposta que tanto queria. Com alguns ajustes, mas não poderia estar mais satisfeita do que nunca.

Mais uma reviravolta em minha vida. Uma mudança que eu já estava pronta e queria esse novo desafio. Mesmo sabendo que não será simples nem fácil, mas vou dar conta.

Hoje, era dia de jantar virtual com o Selton. A gente marcava para pedir algo especial e comer juntos por chamada de vídeo. Algo meio brega, mas romântico ao mesmo tempo.

  • Você está diferente hoje. Aconteceu algo? – ele perguntou com uma cara de preocupado.
  • Nada demais. – dei de ombros.

Ainda não poderia contar a ninguém.

Eu estava de volta para minha cidade. Não sei se foi o amor por Selton, a saudade dos meus pais, a companhia dos meus amigos. Mas, eu estava de volta para Aracaju.

A empresa aceitou minha condição: eu queria a promoção para trabalhar de home office e não um aumento de salário. Fizemos os ajustes necessários e voltei.

Como eu tinha a chave do apartamento de Selton, eu fui direto para lá. Coloquei minhas malas na sala, segurei os balões de coração e um cartaz que escrevi para ele.

Eu sabia que nesse sábado, ele não tinha muita coisa para resolver e não demoraria para chegar.

Assim que escutei o barulho das chaves na porta, meu coração parecia saltar pela boca.

Selton ficou surpreso quando me viu e não escondia a felicidade. Ele ficou paralisado quando leu meu cartaz que dizia:

Me aceita aqui? Vim para ficar.

  • Você tá falando sério? –  eu concordava com a cabeça. – Você vai morar aqui? Aqui em Aracaju?
  • Sim. Sim. E quero saber se posso morar com você aqui, no seu apartamento?
  • Eu não te deixaria ir para outro lugar. 
  • Juntos para valer?
  • Mil vezes sim.

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