Cicatrizes

casal se olhando com um cacto no meio

Cicatrizes, eu amo as suas cicatrizes.

A ação do colágeno, um tanto maliciosa, grita na pele que você nunca mais poderia ser o mesmo nem depois de um arranhão na grade do primeiro show que você foi da sua banda preferida, nem depois de uma briga de bar, que você entrou por engano, sendo confundido com um ator pornô.

E os percalços, que às vezes tentamos esconder, vão ficando nessa tela que carregamos. É nossa história, afinal, que está ali. O que somos. Ou melhor, como nos tornamos.

Nenhuma tempestade passa incólume.

E eu gosto de me perder nesse mapa das suas histórias.

Da cicatriz pequena atrás do joelho, de quando você era criança e sua mãe pedia pra não correr tanto no skate, àquela maior, no final da canela, de quando você falou pra você mesmo que não devia correr tanto no skate.

Ficam as cicatrizes.

A cicatriz de quem partiu, marcada no lado direito do seu quadril; e a de quem fez você, a contra gosto, eu diria, partir, quase simétrica do lado oposto.

A cicatriz do que te inspira, bem embaixo da nuca, a identificação perene até cômica; e aquela no antebraço, também, do orgulho ostentado pela menina que você ajudou no ponto de ônibus.

Aquela imperceptível, fazendo a barba na semana passada, que os pelos já crescidos esconderam bem; e aquela, que nem seria tão escondida se você não se esforçasse tanto, que você não mostra pra quase ninguém, muito menos conta a história.

Histórias, significados, essa porrada de simbolismos todos. Tudo tem mesmo que ficar no limbo dos poucos, tudo tem que ficar no limbo do só nosso, tudo tem que ficar no limbo do só seu.

É porque algumas cicatrizes, às vezes, são intencionais.

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

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