Vem Conversar

Clamor

Será que se um dia eu te encontrasse
Esbarrasse em você em um desses acasos da vida
Te olhasse nos olhos, se estreitando do tanto que tentam conter
E deles, vendo a minha própria escuridão fazendo eco
O entrelaçamento das nossas dores – sentidas e supostas – no reconhecimento
Eu me esconderia em desespero?

E se um dia em um final de tarde
Desses que a brisa te abraça e te dá mais poesia do que o esperado pra uma terça-feira
Aquela ligação insistente fosse sua
E isso me enchesse de sorrisos
Eu arranjaria uma desculpa pra mim mesmo
Uma desculpa qualquer
Falta de tempo, energia, vontade
E deliberadamente fingiria não ver?

E se então fosse você a materialização esculpida em Carrara
Cuspida e escarrada
Dos meus anseios pueris mais profundos
Sinal após sinal
Ano após ano
Eu os negaria todos?

E será que se uma sombra, só uma sombra
Um cheiro, só um cheiro
Uma lembrança
Um lampejo de você, que não é você
Na distância-segurança dessa alteridade
A mim tentasse enredar
Eu cederia entregas, mãos e olhares
E me escusaria ainda ébrio
Vulto de dia seguinte
Nas falsas alucinações que as madrugadas admitem
E te escreveria
Mas não te mostraria, jamais
Mas será que a mim, só a mim, qualquer deus que aí esteja, eu permitiria?

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

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