O dia que nos conhecemos me marcou pra sempre.
Ela estava apoiada no bar brincando com o copo enquanto esperava o próximo drink, distraída. Eu perguntei se ela preferia azul ou vermelho.
Foi uma referência idiota por causa da sua tatuagem nas costas.
Os cabelos presos, tão simbólicos, mascaravam segredos. Era sua maneira de sangrar seus muros e reservas: ela não se dava.
Eu lembro das risadas fáceis, do jeito leve de caminhar, da sobrancelha inquiridora quando eu soltava alguma das minhas cantadas bem trash.
Ela era Peixes, é claro.
O típico jeito de quem está sempre indo embora, de tantas maneiras. O típico jeito de quem nunca se entrega em totalidade, sempre deixa uma mínima brecha.
Aquela mesma brecha que te faz tomar mais uma dose, jogar o celular no chão, mudar de cidade. Aquela mesma brecha que te causa simultaneamente paz e arroubos de quaisquer sentimentos exagerados.
Ela era Peixes, isso era suposição minha.
Cabelos soltos e todo o desprendimento do mundo.
Liberdades tão presunçosas. Liberdades que só revelam que a profundidade precisa mesmo de camadas e capas.
Tão óbvio. A água, que te mantém vivo, também te mata. Impiedosamente.
Só meses depois fui confirmar o signo. Pisciana do final de fevereiro. Mas ela nunca precisaria ter me dito. Pelo jeito como me inundou e me fez cativo em suas águas, é claro que ela era Peixes.