Relações sextuosas

sessão de terapia

Estava eu em uma sessão qualquer. A psicoterapia, normalmente em frequência semanal, faz parte da rotina das pessoas, e essas pessoas fazem parte da minha. A paciente em questão é uma jovem de 20 anos, que está comigo desde seus 16. Nosso tempo juntos traz duas vantagens: a primeira é o alto grau de intimidade que temos, que nos permite ir além dos pudores em nossas narrativas; o segundo, é a capacidade analítica que ela já desenvolveu, o que torna as coisas muito mais interessantes.

 Jacques Lacan, um famoso psicanalista francês, estabeleceu o “passe”, um procedimento que a escola de psicanálise desenvolve para julgar se um paciente está pronto para receber o título de analista. É a ideia de que o analista se faz de sua própria análise. Esta moça, aparentemente, não tem pretensão de se tornar analista, entretanto, sua analise está fazendo com que ela adquira a capacidade dita anteriormente.

Tudo começou com um “ato falho”. Atos falhos são, de acordo com Freud, aquelas falas e gestos que saltam de nosso controle, que fazemos ‘sem querer’. É quando o inconsciente fala. A paciente conhece bem eles. Ela contava a história de quando ficou com um rapaz, por quem sentia uma atração inexplicável e de quem já falava há algumas semanas, em um beco escuro após saírem de uma confraternização da empresa em que trabalham.

Durante a narrativa ela pronunciou as palavras “relação sextuosa”. Ela mesma parou contendo o riso por notar seu ato falho, e eu, rindo também, disse: “mistura de relação sexual com incestuosa”?

Um curto silêncio se fez, e foi rompido com um: “caralho, é isso. Era isso o tempo todo, ele é o meu pai”. De fato, o rapaz assumia muitas características do pai da paciente, que é um dos pivôs de vários dos seus conflitos. Seguimos a sessão falando sobre os desdobramentos de nossa “teoria da sextuosidade”.

Não é incomum em psicanálise a ideia de que nossas figuras parentais são nossas primeiras paixões na vida, e de que buscamos nos nossos amores adultos o amor ‘total’ que nunca pudemos ter na infância. O que talvez complique um pouco é que nem sempre falamos de pai e mãe, as vezes é um irmão, uma prima, um tio, uma babá, professora… Mas o fato é que quem tem aquela experiência de se apaixonar loucamente por alguém não demora a perceber que o objeto de paixão se parece com alguma figura da infância.

Mas qual o grande problema disso? Não é só uma coincidência engraçada? Infelizmente não… Ficamos enlouquecidos com a possibilidade de concretizar sexualmente aquele amor que foi proibido lá atrás… Mas junto com um sexo de ótima qualidade virá junto uma pessoa com probleminhas na cabeça.

Afinal, a grande maioria das pessoas que frequentam consultórios de psicanálise levam consigo seus problemas nas relações com pai, mãe, com os amores atuais que são repetições dos antigos… E quando encontramos ‘aquela’ pessoa com quem o tesão vai às alturas, ela também traz os conflitos de relação que tínhamos com nossos objetos de amor originais. Parece que quanto mais gostoso é o sexo mais insuportáveis são as brigas… Você sente no parceiro o mesmo ódio que sentia da mãe quando brigavam, ou brigam por motivos parecidos…

E como ficamos? Entre o desejo louco que só se encontra nessas pessoas e o inferno que é viver com elas? A verdade é que podemos ter muitas relações sexuais ao longo da vida… Mas as sextuosas, essas a gente nunca esquece.

Marcos Moura

Psicólogo, Psicanalista, mestre em Psicossomática e escritor.

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