Vem Conversar

Diário do pianista – parte 1

Sua mãe na sala, sem saber que eu estava logo atrás da outra porta, gritando contigo que a nossa situação era inadmissível. O que você tem na cabeça, meu filho??? Que porra você tá fazendo com uma mulher? Você é viado, Gabriel.

Queimava, doía, mas foi impossível não rir desse sempre tragicômico de nós dois. O que te aplacou foi ela dizer que era gritante o quanto eu estava apaixonada por você. Você teve aquela quebra de quarta parede: “Você acha mesmo?”. Quantos sentimentos misturados. Péssimo, mas fofo. Então você voltou ao tópico após aquela digressão, puto da vida, mas não durou muito, saiu rebocando tudo à frente.

Veio falar comigo naquele pico de fúria. Eu comecei séria, claro, por todas as nossas questões, mas não demorou muito pra que os gritos da sua mãe me viessem à cabeça. Você, puto ao me ver prendendo o riso, perguntando o que era agora, qual era a graça, se eu só tinha parado de prestar atenção e estava divagando, olhei no fundo dos seus olhos – olhos atrevidos – e só consegui reproduzir: você é viado, Gabriel. O absurdo da situação, sua mãe, hoje, preferindo te ver com um homem. A nossa sacra sociedade tradicional incansável ao apontar o quanto éramos inaceitáveis. // Como assim gay com mulher?? // Então você teve aquele “de zero a cem”, como dizem hoje, teve um acesso de riso também, tudo sobre nós dois era tão surreal, que só nos restava rir. Rir e nos desaguar um no outro. Depois disso, a gente só conseguia se beijar desesperadamente – “eu SOU desesperado”, você dizia / “sim, eu sei, faz parte do seu show” – entre os risos e o tesão avassalador, suas mãos me marcando em brasa. Um segundo, e nossa leveza estava de volta, éramos de novo nós dois: Reginaldo (eu) e leviana (você).

Esse foi só um daqueles quadros que vivemos que deveriam figurar em museu.

Foi tudo muito louco, mas o mais louco sem dúvida sou eu estar escrevendo sobre os nós dois do passado aconchegada no teu peito, te mostrando a cada parágrafo se está de acordo, você reclamando de tudo, como sempre, nós dois criando novos significados para aqueles tempos vividos e gozando nossos mesmíssimos riso e amor de sempre.

Parte I
Parte II
Parte III

Carolina Palha

Editora, mestre em psicanálise das perversões sexuais e afeita à bagaceira. Nunca soube escolher entre praia, dança e Coca-Cola.

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